sábado, 25 de março de 2017

O Encontro


  O barraco da velha Engrácia distava bastante da estação do trem. E, este percurso ela hoje iria percorrer! Arquejando, com certeza, mas o faria sim. Era cedo ainda na manhã, mas ela já se acordara. Nem pudera dormir, tão excitada estava. Antecipava a felicidade daquele encontro.
   Hoje, nem sentia o colchão, tão velho quanto ela, que sempre lhe magoava o corpo. Ao contrário, ao abrir os olhos o que fez foi logo sorrir. Como não sorrir ante a expectativa de tanta felicidade?
   Na abertura da minúscula janela, pela veneziana quebrada viu uma réstia de sol que deu alguma claridade à escuridão do barraco. Olhou na mesinha ao lado seus remédios caseiros e pensou que hoje nem precisaria deles, tão sadia se achava.

   Arrumou-se com esmero, até com uma água de cheiro foi perfumar-se. Que estranho! – pensou -  Hoje tudo lhe parecia beleza, vida, entusiasmo!
   Quando ouviu o sino da igreja bater nove horas apressou-se a sair. Iria fazer uma parada na praça, sentar-se e assim dividiria pelo meio sua espera ansiosa. Encontrou a vizinha na saída que foi logo lhe dizendo: "Como está bem e rosada hoje, Engrácia! Alguma novidade?", mas aquela não era amiga de se dividir emoções tão intensas e respondeu apressada: "Não. Nenhuma novidade!".
   Sentou-se no banco da praça e notou que o céu estava muito azul; que o orvalho havia molhado os verdes e eles estavam luzindo e as flores pareciam pintadas por um artista oculto. Será - pensou - que a praça mudara tanto ou era o seu entusiasmo que a via assim?
   A praça logo se encheu de crianças e uma bola veio cair a seus pés. Engrácia até ensaiou lhe dar um chute e as crianças riram. Aquele dia só pedia isso mesmo: Riso de criança e alegria.
   Quando o sino na matriz chamou para a missa das dez, ela levantou-se agitada.   Pensou: Será que o trem se atrasaria?
   Felicidade não podia mesmo mais conter-se, esperar para acontecer! Estranhou que suas pernas hoje pareciam quase aladas, a levavam com pouca dificuldade. Ouviu finalmente o apito do trem. Parou na plataforma, fixada na saída de quem chegava.
    Por fim, o enxergou. Sua voz  enrouqueceu, seus olhos encheram-se de lágrimas e só conseguiu dizer: Filho! Filho! E logo pensou: O mais lindo filho que alguém já gerou!
   Quando ele passou seus braços por seu ombro e encostou seus lábios em seu rosto enrugado, um vigor de juventude a percorreu, um sentido de serenidade lhe envolveu a alma. Hoje, a presença dele iria enfim encher de luz a obscuridade do seu barraco!


segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Casamento na Matriz


A matriz de nossa cidade fervilhada de pessoas da classe “bem”. Eu entre elas, naturalmente. Toda nossa nata social compareceu. E não se podia fazer por menos. Naquela tarde se casava o descendente da mais destacada família de nossa comunidade.
    Nós, as mulheres leopoldenses, muito belas e chiques. Sabíamos disso. Havia euforia em nossos olhos e orgulho no de nossos maridos.
  Feita um leve genuflexão perante o altar e acomodada no banco que me coube, incontinente comecei a notar os detalhes de nossa elegância. Ali, um modelo que havia visto numa loja da capital, lá uma joia que eu juraria ser verdadeira, mas que o comentário geral já tachara como falsa. Inovações em sapatos e algumas senhoras mais ousadas portando até chapéus.
   Quando meus olhos davam por acaso no de qualquer um dos homens ou de suas caras-metades eu tinha a certeza que não só eu, mas todos nós estávamos exclusivamente ocupados com o aparato que fizéramos para aquele casório. E, enquanto a noiva não chegava, meus olhos mantiveram-se assim: daqui para ali. Numa destas excursões pelo templo, foram dar exatamente sobre a imagem do homem vestido apenas de tanga, pendurado numa cruz de madeira sobre o altar. Ora, mesmo outro que não fosse o Cristo, vestido daquele jeito, no meio da nossa gente engalanada só podia mesmo fazer os meus olhos pararem.
   Foi enquanto detinham-se ali, que comecei a sentir um mal estar ocupando-me a cabeça, como se eu estivesse completamente oca. Tal qual febre acusando infecção, através daquele sintoma, soube logo que qualquer coisa em mim e em nossa comunidade, ali tão aparatosa, andava errada. Quis serenar-me. Olhei de novo o Cristo e tentei vesti-lo, iguala-lo a nós. Desejei-o de terno impecável, brilhante no nó da gravata, sapatos luzidios, engraxados. Não fui feliz. Como jamais vi alguém vestido assim ter sua singular personalidade, pô-lo dentro destas roupas foi impossível. O máximo que consegui foi vesti-lo com aquela antiga túnica de Nazareno e sandálias de andarilho.
   Tentei então muda-lo por dentro, faze-lo pensar como nós. Nada tampouco. É possível imaginar o Cristo notando a pedra que faltava ao colar da mulher no banco ali adiante, como eu notara? Não. Ele permanecia na sua teimosa pureza, distanciado de nós. Achei melhor fazer-lhe promessas: vir ao templo apenas para orar pelo mundo. E já me sentia até melhor .Quase tão pura como se ele estivesse me banhando nas águas do Jordão.
Igreja da Matriz,
de São Leopoldo.
 Porém, irrompe a marcha nupcial... E, ah! Meus bons propósitos de cristã! O vestido da noiva fora tão comentado antes! Quem, incluindo eu, lembrou-se de orar pela ventura da noiva e esquecer o traje que levava?
   O desespero tomou-me. Aquele Cristo ali, eu estava certa, já poder algum tinha sobre mim. Sobre qualquer um de nós. A própria marcha de Mendelson tocando no coro, soava-me como se fosse aquelas trombetas romanas que anunciavam que uma decadente sociedade achava-se reunida.
   Em nossa matriz, rodeada de santos nos altares e com odor de círios nas narinas, eu precisava urgente de um milagre. O milagre que me fizesse crer na ascendência que aquele Cristo por ventura ainda tivesse sobre nós. E ele veio!... A propósito! A tempo! Com toda a beleza que o cotidiano contêm.
   Os noivos no altar. A cerimônia começando. De repente, aquele barulhinho de tamancos, pisando com cuidado e respeito lá na entrada da matriz. Sem nos voltarmos todos sabíamos quem entrava: Darcy, o retardado mais conhecido de nossa cidade. Sorriso ingênuo e confiante. Segurando nas mãos o chapéu que com humildade tirara na porta do templo. Sem orgulho, consciência pesada, ou qualquer concorrência com nossos trajes caros. Passou assim por nós e foi com todo o direito que lhe dava a casa de Deus, sentar-se lá no primeiro banco. Só o que desejava era estar junto a nós, participar com os de sua comunidade um momento de alegria.
   Entrasse ele em outro lugar onde nos reuníssemos para festejos, por certo com carinho,(quem em nossa cidade não tem carinho por ele?) mas, com firmeza, o retiraríamos. Nosso orgulho salvo assim...  Mas ali, frente aquele Cristo vestido de tanga... Mesmo em nosso aparato romano... Quem de nós ousaria uma palavra contra ele? E, lá ficou o Darcy, protegido de nossos preconceitos pela presença do Nazareno, assistindo a cerimônia inteirinha...
   Certeza ele tinha, Também tenho eu agora: a ascendência do Cristo mora intacta em nós. Mora em mim.

Pias de Água Benta e Batismal


A água benta tem origem nos templos do paganismo onde havia grandes recipientes com água para os sacerdotes se purificarem, antes dos ritos, e também sua origem nos leva até às casas do império romano onde havia pias no átrio para os hóspedes se lavarem ao entrar nas casas.
  Também já o rei Salomão construiu na entrada do templo de Jerusalém um belíssimo tanque de água onde os judeus se lavavam antes de entrar.
  As mesquitas do Islamismo até hoje possuem lindos tanques em sua frente para as abluções purificadoras antes de se entrar nelas.
  São Paulo mandava que se orasse com as mãos puras. Estas purificações antigas referiam-se muito também à purificação corporal. Lembremos que, tanto na Antiguidade como na Idade Média , as pessoas comiam com as mãos e a higiene era pouquíssima.
   A Igreja introduziu as fontes, agora bem reduzidas, no interior de seus templos perto da porta da entrada, e deu início à benção litúrgica da água feita por um sacerdote, dando assim, um teor absolutamente espiritual às pias de água benta, nas quais a pessoa banha os dedos e ainda completa o rito fazendo um Sinal da Cruz.
  A água para o esotérico do Cristianismo, do Xintoísmo, do Judaísmo, da Afro, etc. Carrega a força da Criação pois é entendida como origem de tudo o que foi criado. É para o indiano “practy”, a raiz da vida. No Oriente se usava água benta para o alívio dos doentes, para serem banhados pela água original, não ainda contaminada.
   Hoje, o uso das pias de água benta na Igreja Católica caíram de uso, quase não mais se vê, desde que as organizações de saúde viram estas pias como condutoras de doenças.
  As Pias batismais nas grandes catedrais Góticas nós as encontramos como tanques com suas beiradas oitavadas, contando com oito lados , pois segundo a numerologia pitagórica usada pelos templários e maçons, seus construtores, o oito possui a vibração cósmica do renascer. Nelas, os que ali se batizavam libertavam-se de atitudes errôneas de um passado já vivido anteriormente e renasciam para uma nova consciência espiritual.

terça-feira, 24 de janeiro de 2017

O que Penso Sobre a Paz


Vejo a falta de Paz como uma energia negativa que cada ser humano traz ainda dentro de si.
   Guerra e todos os tipos de contendas de homens para homens são, na verdade, consequências e não causas da falta de Paz. Por isso, não creio que qualquer teoria que pretenda levar Paz ao mundo perdure, uma vez que a causa de nossos problemas não estão em nossas organizações externas, mas habita em nós.
   A História nos diz que teorias e doutrinas múltiplas já foram testadas. Além da antiga Democracia, tentamos Liberalismo, Integralismo, Comunismo e tantos outros “ismos” sócios políticos, sem qualquer resultado perdurável no caminho da Paz mundial.
   Quando a maioria de nós estiver, porém, determinado a viver harmoniosamente com o nosso próximo mais próximo, nos conhecendo e trabalhando a nós mesmos, podemos ter certeza de estarmos vencendo esta negatividade interna que carregamos e a transformando numa força de paz que tenderá a expandir-se e manifestar-se em nosso ambiente global.
   Quando abandonarmos a intolerância dirigida à outrem, a outros povos ,culturas e religiões, vamos encontrando a nossa Paz interna e automaticamente o mundo refletirá esta melhora.
   Enfim, na melhora de cada homem está a chave da melhoria do mundo. Se cada homem trabalhar a paz dentro de si o mundo alcançará por fim a tão desejada Paz.

terça-feira, 27 de dezembro de 2016

A Família e a Flor de Lótus


Sempre que eu observava a nossa família tão numerosa, mas composta de membros com personalidades muito distintas, de temperamentos absolutamente diferentes, eu me preocupava. Ficava pensando: Como poderíamos manter uma harmonia entre nós, ser uma família harmoniosa, manter o amor vivo dentro dela, dentro desta grande diversidade? Só me acalmava quando me lembrava da lenda da flor de Lotus.  Esta que eu vou contar a vocês:
    Deus andava triste, porque via a humanidade sempre em lutas porque seus membros eram muito diferentes uns dos outros. Então, Deus resolveu mostrar-lhes que Ele podia, sim, criar uma coisa muito bela e harmoniosa vinda da diversidade, da diferença: uma flor belíssima ,o Lotus.
   Foi fazer a flor que queria, usando os quatro elementos da natureza, a terra, a água, o ar e o fogo, que são muito diferentes entre si.  Deu a cada deles um papel a cumprir.
    Pegou um pouco de terra, a pôs no fundo de um rio e disse para à terra: Em ti porei a raiz ,a matriz , o planejamento, da flor que quero criar. O planejar é o teu papel. Disse depois à água: Da raiz virá uma haste que te transpassará. Tu, água, conservarás esta haste umedecida, impedindo que ela se resseque. A conservação é o teu papel. Depois, Deus fez um prolongamento desta haste transpassando o ar. Nele, colocou folhas e disse ao ar: Ar, com tuas brisas movimentarás estas folhas. Teu papel é a dinâmica, o movimento, a alegria, a vivacidade.  Depois, Deus olhou o sol e lhe disse: Com o calor do teu fogo, farás desabrochar nesta planta uma das flores mais belas que alguém já viu. Porás nela as tuas luzes, cores e beleza.  Fogo este é o teu papel.
  Assim ficou pronta sua flor. Então, eu me serenava, pensando que seria, através desta lição de criatividade, que também nós, seguindo o exemplo de Deus, tendo na família cada um o seu próprio papel, poderíamos também criar com nossa diversidade uma harmoniosa flor de Lotus.

sábado, 19 de novembro de 2016

Mulheres no Panteão Afro


Neste dia de Consciência Negra nós, mulheres, nos lembramos do panteão de deusas africanas que consegue nos dar as principais características femininas.
   Em sua deusa mais antiga, temos Nanã. Nanã é aquela que estruturou no caos da matéria virgem, primordial, todas as formas viventes. É chamada por isto “Mãe dos Orixás”. Como deusa personalizada, é a mulher na idade avançada, muito sábia, a que toda família recorre nas desavenças para refúgio e conselhos. A iniciada de culto tomada em transe por Nanã dança como se estivesse embalando uma criança. Nanã embalou em seu seio a humanidade. Sua cor é o branco rajado de violeta.
   Iemanjá é o desejo de procriar. Personalizada, atrai os homens apenas pelo desejo de procriação. É o mar. Em suas águas, traz as formas criadas por Nanã a saírem do mundo primordial e vir desenvolver-se em suas águas, a vir habitar o mundo manifestado. É o instinto materno de todas as fêmeas. Sua cor é o azul do mar.
   Iansã é a mulher conduzida por um forte instinto sexual. Seduz pela sensualidade. Faz vir à tona o erotismo masculino com a força das tempestades. É chamada por isto de “senhora das tempestades”. No sincretismo com o catolicismo é santa Bárbara. Sua cor é o vermelho das paixões. É cultuada na África como a entidade responsável pelas correntezas do rio Níger, na Nigéria.
   Oxum é a energia da beleza doce, é dengosa, é faceira. Quando se olha no espelho que trás às mãos, vê a sua beleza refletida (é o mais belo orixá do panteão afro) toma consciência do seu poder feminino; se faz ingênua para igualmente atrair. É a atração da inocência. Faz com o companheiro um relacionamento duradouro, não relâmpago, como o de Iansã. Seu rosto parcialmente tampado reflete a sutileza feminina.
   Oxum é o nome de um rio da África, a deusa é por isto relacionada a todas as águas doces, e cachoeiras. Gosta do lírio, símbolo da pureza. Sua cor é o amarelo.
Devemos em fim, à sabedoria dos afro-brasileiros todas estas concepções tão importantes para se compreender melhor a mulher.

O Santo do Pau Oco


Abertura nas costas do santo, utilizada
para guardar o ouro.
Quando alguém se diz muito santo, mas de santo não tem nada, nós costumamos dizer: “è um santo do pau oco, é um mentiroso” Esta frase se refere a um costume do tempo do Brasil colônia de Portugal e do tempo do ouro em Minas Gerais. Havia naquele tempo imagens de santos esculpidas em madeiras ocas para ficarem mais leves para serem levadas em procissões. Mas, dentro dela, as igrejas escondiam barrinhas de ouro (porque a moeda época eram barras de ouro) fazendo uma abertura nas costas das imagens. Essa era a forma como a Igreja burlava o fisco, a fiscalização do imposto sobre o ouro. A coroa portuguesa cobrava o imposto de um quinto sobre o ouro que qualquer pessoa conseguia ganhar. Por exemplo: A Igreja queria fazer uma reforma no interior de uma catedral (todos os ornatos das igrejas mineiras eram em ouro), então, a Igreja pedia doações, só que ela ganhava mais barras de ouro do que ia realmente usar na reforma, então, o ouro que sobrava ela escondia dentro do santo oco. Deixava assim de pagar o imposto sobre aquele ouro escondido. Depois ela contratava paroquianos devotos para atuarem como contrabandistas e contrabandeava o ouro escondido e era nisso que podia tirar o maior lucro.
Uma matraca das antigas
procissões.
    Bem, mas não era fácil sair com aquele ouro de dentro da igreja. Então , quando ela já tinha uma boa reserva dentro dos santos ela aumentava o número de procissões, pois era justamente na ocasião das procissões que se fazia o contrabando. Os paroquianos contrabandistas eram encarregados de levarem os andores dos santos ocos e no decorrer da procissão passavam por postos de fiscalizações sem serem notados pelos guardas. Depois, em meio daquela multidão comprimida em vielas estreitas, entre cantos de louvores, os contrabandistas iam passando disfarçadamente o ouro dos andores para bolsas. Quando terminava a procissão o ouro já tinha  sido todo  passado. Todos os participantes da procissão sabiam o que estava acontecendo, mas como toda a população era revoltada contra aqueles impostos cobrados, todos eram cúmplices, todos guardavam disso o maior segredo.
    No entanto, seria um perigo se na transferência disfarçada do andor para as bolsas alguma barra de ouro caísse no chão, fazendo barulho, o que chamaria a atenção dos guardas ·. Então, se diz que isso é a  origem da Matraca. A Matraca é aquela sineta que vai tocando anunciando o passar da procissão. Oficialmente era usada para chamar os fieis à procissão, na verdade, servia para encobrir um contrabando. E todos afinal estavam do lado da Igreja, pois achavam que os portugueses bem mereciam isto.