terça-feira, 12 de maio de 2015

Luso Açorianos em Santa Catarina

    Ter morado em Santa Catarina foi reportar-me à infância ,quando ainda no Rio de janeiro, tradições e costumes me eram transmitidos por meu avô português.
    Foi lembrar-me de jogos (petecas, amarelinha, esconde/esconde) canções e versos tão simples e puros que na época tanto eu como as crianças portuguesas cantávamos a viva voz:
   
Menina minha prima                              Lá em cima daquele morro
Entra dentro desta roda                         Passa boi, passa boiada
Diga um verso bem bonito                    Também passa moreninha   
Diga adeus e vai embora                        De cabelo cacheado
                  
    Já adolescente tive a oportunidade de convívio com a amorável gente catarinense.
    Conheci São Francisco do Sul, a mais antiga de suas povoações que nos lembra a abordagem no séc. XVI de nautas espanhóis que, salvos de uma tormenta no mar, viram depois esta acalmar-se e durante os 2 anos que ali estiveram ergueram uma capela de agradecimento à Nossa Senhora das Graças.Observa-se que apesar das divergências entre Portugal e Espanha acontecendo naquela época em nosso Sul,os Lusos ali chegados, conservaram o nome de Nossa Senhora das Graças para a edificação que hoje é ainda a Matriz da cidade.

Litoral catarinense, rico em enseadas.

    Ali, está a lembrança daqueles portugueses que no séc. XVII migraram de são Vicente, na região paulista, para o Sul, servindo a coroa de Portugal, chegando seduzidos principalmente pelas promessas de ganhos e sesmarias
    Povoação com suas vielas estreitas, ruas de paralelepípedos , coreto na praça e naturalmente sua fileira de casas coloridas onde se reproduz os beirados que em Portugal  revelava  quem tinha ou não tinha “eira e beira”. Suas janelas tão baixas que ensejavam  alguém debruçar-se em seus peitoris para namoros  ou amenas conversas entre vizinhos.
    Hoje, vemos ali ainda bem forte a tradição do “Pão Por Deus”, uma das mais belas trazidas pelos imigrantes que chegaram da ilha de São Miguel.
 Esta troca de mensagens entre amigos, versos românticos entre namorados, também pedidos colocados em papeis enfeitados, expostos publicamente, nos mostra  a alma simples, singela, do povo português:

                     “Neste Pão Por Deus, meu  amado
                       De tanto e tanto fervor
                        Te mando aqui escravizado
                        Meu coração  com amor.”

Pão-por-Deus tradição açoriana preservada.


    Hoje ainda encontrei vários  “Pão Por Deus” nas zonas litorâneas e até no centro de Florianópolis, Desterro. Era assim que Franklin Cascaes desgostoso com os episódios dolorosos acontecidos na capital catarinense, cujo protagonista foi Floriano Peixoto, desejava que sempre se chamasse esta cidade: Desterro, jamais Florianópolis.
    Foi mesmo com as regiões litorâneas ,por onde se espalharam os Açorianos,hoje o maior contingente étnico da Ilha, que mais tive contato, entrevistas e convívio.
    Apraz-me assistir a Festa do Divino, acontecendo após a quaresma , no Pântano do Sul,uma das últimas vilas de pescadores do Sul da Ilha.
    Não é raro ver-se dias antes do festejo, um grupo de três ou quatro fieis, levando pelas ruas fervorosamente a bandeira do Divino (Vermelha, com uma pomba branca ao centro) arrecadando donativos para os gastos necessários a ele.
    Com sua cantoria, violas  e tambores, lá vão eles parando em moradias, levando seus estandartes com fitas coloridas penduradas,cada uma delas um agradecimento por alguma benção alcançada.
    Porém, será a coroação do menino imperador investido de uma faixa vermelha no peito, meias compridas alvas, que carrega um cetro esperando ser coroado, que fará a beleza da festa, terá a grande importância de não  se  deixar perder uma tradição portuguesa, nascida na longínqua Idade Média, especialmente no arquipélago dos Açores,quando pequenas  edificações eram erguidas apenas para guardarem os apetrechos das comemorações em honra ao Espírito Santo.
    Imperdível  é  também assistir o arrastão da Tainha  que atrai turistas   à esta praia do Pântano do Sul, reduto de descendentes de Açorianos.
   Pelos meses de Abril e Julho nos morros que cercam e embelezam esta vila, lá se postam vigias que irão distinguir nas ondas do mar a chegada de cardumes que se aproximam das encostas. Sinais são dados aos pescadores já à espera na praia, que logo se aprontam a por seus barcos ao mar para os cercarem.
   Vi dezenas de moradores e até turistas ajudando no arrasto das redes. O espetáculo é realmente pitoresco.
    As riquezas do mar fazem ainda hoje a sobrevivência dos ilhéus dos Açores que se estabeleceram principalmente nos litorais da Ilha catarinense. Também o cultivo de ostras que nos proporciona degustar nos restaurantes de Ribeirão da Ilha as mais saborosas especiarias deste molusco, faz não só a sobrevivência mas também a riqueza dos produtores que  ali implantaram um dos maiores cultivos de ostras do país.
    Não só a pesca abundante garantiu ao que imigrou a sua prosperidade. Também a “Farinhada”, já conhecida pelos índios Carijós, que aqui encontraram, foi seu grande recurso. Muito logo, centenas de engenhos de farinha de mandioca espalharam-se pela Ilha.O solo propício ao plantio de bananeiras, incluiu em suas refeições caseiras seus famosos bolinhos de banana, iguaria sempre presente.
    As antigas famílias açorianas trouxeram também de sua terra a arte belíssima da renda de bilro. Atualmente ainda segue sendo uma das grandes fontes de lucrativo comércio.

Rendeira manejando o bilro.

    Nas margens da Lagoa da Conceição,hoje chamada até  de “Avenida das Rendeiras” em Florianópolis,as rendeiras com a beleza de suas rendas,a destreza de suas mãos manejando o bilro, surpreende e encanta o turista.
    Porém, se a intenção é continuar pesquisando os costumes dos primeiros açorianos,podemos achar seus rastros também  na praia de Armação (sul da Ilha). Lá, como em todos os locais que  recebiam o nome de “Armação”, esses imigrantes iluminavam as suas noites com óleo de baleia. Ali, este cetáceo era trabalhado aproveitando-se dele suas barbatanas e também sua carne.
    Não só Cristianismo mas também  Magia foi trazida de Portugal para cá.
    É  ainda Franklin Cascaes em seu belíssimo livro “ O Fantástico na Ilha de Santa Catarina” quem nos relata  esta faceta incluída  até hoje entre o povo catarinense.
   Tive ocasião de entrevistar gente relacionada à “ bruxas” atuais, que naturalmente já não andam –segundo os seus “Causos”- fazendo diabruras como darem nó  nos rabos e crinas de cavalos e outras tantas. Porém, que ainda são procuradas como advinhas e têm suas  previsões e trabalhos  de auxílio contra mal olhado, maus  agouros etc, muito respeitados.
    Para nos jogarmos profundamente nos vestígios lusos que permeiam toda esta linda Ilha,precisamos aguçar os ouvidos à entonação de voz, à fala  daqueles  que carinhosamente são chamados “Manezinhos da Ilha” que não assimilaram influências dos que chegaram depois, aqueles que ainda guardam muito de um  linguajar antigo da terra natal de seus bisavós e tetravós.  Quantas vezes ouvi deles o seu :“Se queres, queres. Se não queres diz” , o seu “ Pró mode de...” o seu   “trés antonte”.
    Santa Catarina, Continente e Ilha, realmente joga todos os meus sentidos à doçura de minhas próprias raízes e ascendências portuguesas. Porém, melhor que   eu, uma das estrofes do “Rancho de Amor à Ilha” , de Claudio Alvin Barbosa, nos fala de todo o encanto desta região catarinense .

                                       “ Um pedacinho de terra perdido no mar!
                                          Num pedacinho de terra,beleza sem par!
                                          Jamais a natureza reuniu tanta beleza!
                                          Jamais algum poeta teve tanto prá cantar!”

                                                                            

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