O barraco da velha Engrácia distava bastante
da estação do trem. E, este percurso ela hoje iria percorrer! Arquejando, com
certeza, mas o faria sim. Era cedo ainda na manhã, mas ela já se acordara. Nem
pudera dormir, tão excitada estava. Antecipava a felicidade daquele encontro.
Hoje, nem sentia o colchão, tão velho quanto
ela, que sempre lhe magoava o corpo. Ao contrário, ao abrir os olhos o que fez
foi logo sorrir. Como não sorrir ante a expectativa de tanta felicidade?
Na abertura da minúscula janela, pela
veneziana quebrada viu uma réstia de sol que deu alguma claridade à escuridão
do barraco. Olhou na mesinha ao lado seus remédios caseiros e pensou que hoje
nem precisaria deles, tão sadia se achava.
Arrumou-se com esmero, até com uma água de
cheiro foi perfumar-se. Que estranho! – pensou - Hoje tudo lhe parecia beleza, vida, entusiasmo!
Quando ouviu o sino da igreja bater nove
horas apressou-se a sair. Iria fazer uma parada na praça, sentar-se e assim
dividiria pelo meio sua espera ansiosa. Encontrou a vizinha na saída que foi
logo lhe dizendo: "Como está bem e rosada hoje, Engrácia! Alguma novidade?", mas aquela não era amiga de se dividir emoções tão intensas e respondeu
apressada: "Não. Nenhuma novidade!".
Sentou-se no banco da praça e notou que o
céu estava muito azul; que o orvalho havia molhado os verdes e eles estavam
luzindo e as flores pareciam pintadas por um artista oculto. Será - pensou - que a
praça mudara tanto ou era o seu entusiasmo que a via assim?
A praça logo se encheu de crianças e uma
bola veio cair a seus pés. Engrácia até ensaiou lhe dar um chute e as crianças
riram. Aquele dia só pedia isso mesmo: Riso de criança e alegria.
Quando o sino na matriz chamou para a missa
das dez, ela levantou-se agitada.
Pensou: Será que o trem se atrasaria?
Felicidade não podia mesmo mais conter-se,
esperar para acontecer! Estranhou que suas pernas hoje pareciam quase aladas, a
levavam com pouca dificuldade. Ouviu finalmente o apito do trem. Parou na plataforma,
fixada na saída de quem chegava.
Por fim, o enxergou. Sua voz enrouqueceu, seus olhos encheram-se de
lágrimas e só conseguiu dizer: Filho! Filho! E logo pensou: O mais lindo filho
que alguém já gerou!
Quando ele passou seus braços por seu ombro
e encostou seus lábios em seu rosto enrugado, um vigor de juventude a percorreu,
um sentido de serenidade lhe envolveu a alma. Hoje, a presença dele iria enfim
encher de luz a obscuridade do seu barraco!
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