A
lenda bíblica cita Lilith como a primeira companheira de Adão, antecedendo,
portanto à Eva. Atribui a ela uma divergência com Deus que a fez ser expulsa do
paraíso. Há referências a ela tanto na Torá como no Talmud, livros sagrados do
Judaísmo. Teria ela então ido conviver com o demônio. Tais ideias deu início ao
pensamento que fez da mulher o centro das práticas bruxescas, dando à bruxaria uma
conotação eminentemente feminina. Bruxaria significa então práticas e magias
demoníacas induzidas a fazer o mal.
Lilith, a primeira mulher de Adão. |
Lilith teria uma aparência dupla enganadora,
uma face bela e jovem, mas pés de coruja e asas de morcego. Era de natureza
arrogante, pois, segundo as escrituras sagradas judaicas, enquanto Eva foi
feita de uma costela de Adão, portanto submissa a ele, ela, Lilith, teria sido
feita do mesmo barro que ele, por isso igual a ele. Foi então a primeira mulher
a rebelar-se contra o sistema patriarcal.
Numa
antiguidade muito remota lá pelo 3° milênio A.C. na região da Suméria, apareceu
a primeira mulher bruxa de nome Lilake. Então os sumerianos passaram a crer
numa deusa de nome Inana que protegia os homens de manifestações demoníacas
femininas. Esta deusa prendia esta mulher maligna dentro de um grosso e imenso
pé de Salgueiro para que ela não perturbasse os inocentes homens.
Séculos depois, a Grécia nos deu a crença em
Hécate. Era uma deusa encontrada nas encruzilhadas. Uma encruzilhada é, como
bem sabemos através dos cultos Afro, o lugar onde vivos e mortos se encontram. Nelas
os mortos recebendo dos vivos oferendas. Então, Hécate tinha o poder de afastar
dali espíritos malignos e era por isso muito homenageada. Possuía um séquito de
cães que habitavam as margens do rio Estingue ,o rio que leva ao mundo dos
mortos. Tais cães latiam para chamar os moribundos a morrer, então os doentes
temiam muito a figura de Hécate. Era por outro lado protetora das mulheres
grávidas sendo chamada então de “parteira celestial”. Hécate era assim
detestada por uns e amada por outros.
Na Idade Média ,lá pelo século XV a vida
feminina estava um caos. A nada a mulher tinha direito. E ao mesmo tempo os
Sabás (encontros bruxescos) proliferavam. Provavelmente seus maiores
frequentadores eram mesmo as mulheres. Podia-se bem compreender o porquê:
Casavam se muito meninas ,entre 12 e 13 anos, com homens bastante mais velhos
do que elas. Estes, seguidamente as deixavam durante meses para irem guerrear
em feudos distantes. Elas então fugiam de casa para irem à Sabás levando no
coração esta esperança: Livrarem-se através de magias desses maridos que viam
como opressores. Vê-los ,quem sabe, transformarem-se em lobos que vagariam
perdidos pelas florestas sem possibilidade de um retorno. Para o recurso de
saciarem desejos sensuais e românticos juvenis tinham sempre à mão pajens
guardiões jovens que habitavam mansões e castelos e que as vezes muito
providencialmente ficavam encarregados de cuida-las.
Cerridwen e seu caldeirão. |
Numa reação da Igreja ao comportamento
destas esposas meninas, em 1484 foi escrito o livro “Malleus Maleficarum” (O
Martelo das Feiticeiras) por dois inquisidores. Este foi o documento
fundamental que desencadeou a maior onda de perseguições e horrores ao feminino
nas sociedades europeias pelos séculos que se seguiram. Fala-se que em Saragoza,
na Espanha, teria sido queimada a primeira vítima na fogueira uma mulher de
nome Gracia la Valle.
Quando hoje passamos pelo Caminho de
Compostela ouvimos falar das bruxas de Zugarramurdi o mais famoso caso na região
de Navarra. Tal caso gerou um filme muito premiado em 2013 do mesmo nome. “As Bruxas
de Zugarramurdi” onde, segundo o enredo, foram queimadas na fogueira perto de
trezentas mulheres, entre elas crianças. Foram acusadas de terem atos sexuais
com bodes, tomarem caldo de sapo, e conviverem com animais como gatos negros, e
corujas.
Havia porém desde a Antiguidade uma
diferença entre bruxas e feiticeiras. As primeiras dedicavam-se a magias
maléficas, as segundas possuíam poderes paranormais de adivinhações, poderes
extraordinários com os quais se vingavam apenas de magias feitas para o mal. Assim,
segundo a lenda, tivemos feiticeiras instruídas nas cortes do rei Arthur na
região de Avalon que era encoberta ao mundo por grandes nevoeiros. Resultou
deste culto de Avalon a crença francesa em sua principal feiticeira (la sorcière):
Morgane. Na floresta de Paimpont situada no norte francês, ela é lembrada até
hoje. Lá existe um vale chamado “O vale sem retorno,” porque ali o espírito de
Morgane espera os homens infiéis e vinga-se de infidelidades que recebeu de seu
homem amado, jogando-os a cair de um penhasco, levando-os à morte. Na Idade
Média, época de grande crença em magias, muitos homens infiéis não entravam
naquela floresta, temerosos do espírito de Morgane.
Casa onde viveram as bruxas de Salém. |
Votamos aos bruxedos lembrando o famoso caso das Bruxas de Salém, acontecido em Massachusetts no final do séc. XVII. Tudo começou quando mulheres simpatizantes do ocultismo tiveram pesadelos e foram examinadas por médicos .Estes atestaram que elas estariam embruxadas. Todas do grande grupo que eram foram queimadas vivas. Tal episódio também, resultou numa extraordinária peça de teatro de nome” As bruxas de Salém “ do grande dramaturgo norte americano Arthur Miller, que foi casado com Marylin Monroe.
Não era difícil descobrir-se se alguém era
bruxa Estas passavam pelo teste do
Ordálio. Este consistia em fazer as acusadas colocarem as mãos e pés sobre
brasas incandescentes e somente se não se queimasse , o que naturalmente nunca
acontecia, tinham direito a um julgamento, também fraudulento, livrando-se
então da fogueira.
Não escapou também de perseguições. a
heroína francesa Joana D’arc aquela que conseguiu acabar com a guerra dos cem
anos. Após esta façanha memorável, viu-se envolvida em intrigas políticas e foi
acusada de bruxaria e ante o Tribunal da Santa Inquisição foi queimada na praça do mercado de Rouen.
Bruxas de Zugarramurdi queimadas na fogueira. |
No Brasil, apesar da afro-brasileira ter expandido em todo o nosso território uma magia rica em amuletos , despachos ,guias, para se obter o “corpo fechado” e aceitarmos práticas de possessões bem semelhantes as do Vodu haitiano, apenas em um dos nossos Estados existiu o protótipo perfeito da bruxa, na verdadeira conotação do termo: Em Santa Catarina após a chegada dos imigrantes das ilhas dos Açores em 1748.
Franklin Cascaes foi o grande conhecedor e amante das particularidades da antiga Vila
Nossa Senhora do Desterro, antigo nome de Florianópolis, Em seu precioso livro
“O Fantástico na Ilha de Santa Catarina” nos conta sobre as práticas bruxescas
usuais em sua infância. Fala sobre um novelo de lã dado pelo demônio para a
mais velha do bando de bruxas, que era uma espécie de cetro do poder que lhe
era passado. Quando a bruxa estava por morrer ela subia pelos ares desenrolando
o novelo, o que causava uma disputa para pega-lo, pois quem o conseguisse seria
a nova chefe do bando. Conta-nos ainda que as bruxas faziam artes como dar nó
nos rabos dos cavalos, galopar com eles pelos ares, depenarem galinhas nos puleiros, enliarem as linhas dos pescadores.
Atualmente ainda encontramos lá mulheres
bruxas em locais onde antigas crendices sobrevivem, como Ribeirão da Ilha e
Santo Antônio de Lisboa. Em locais interioranos acredita-se existir bruxas
embora não com as características sensuais das bruxas medievais São então convidadas
a se afastarem com orações como esta: ”Tosca
marosca, rabo de rosca, grilhão nos pés, relho no traseiro. Bruxa tarata bruxa, não entre na casa por todos os santos e santos, amém.”
Hoje no Estado, encontra-se mais mulheres
apenas feiticeiras ou com função de benzedeiras muito procuradas a favor de
“malinhados “pessoas que são vítimas dos chamados “olho grande”. Caso apareça
na comunidade alguma pessoa advinhada como tendo poderes maléficos, geralmente benzedeiras são chamadas para neutralizar suas ações o que na Ilha se
chama “Amarrar a bruxa “. Após mais de duzentos anos de imigração açoriana constatamos que a velha
concepção de que a mulher conta com um lado de poder mágico que lhe serve de
defesa contra realizações de desejos benignos
e malignos ainda vive no imaginário de muitos na Ilha de Santa Catarina .
Somos ressaltadas na religiosidade judaico-cristã
como estas bruxas perseguidas ou com duas faces antagônicas de bem e mal como a deusa Yeuá dos mitos afros. Ela,
durante a noite, era a belíssima lua
cheia que refletida numa simples poça d’água apaixonava quem a fitasse. E, dava
prazeres sensuais aos homens mas ao surgir o sol fugia dele, punha um manto
preto sobre si para esconder uma face horrenda que possuía, tornando-se a escurecida
lua nova.
Museu da Bruxaria, em Salém... |
Por
outro lado, recebemos também de outras tradições muitas homenagens. Fomos
deusas como a Isis egípcia. Ela que era as margens do Nilo, recebia de Ozires,
o rio , de suas margens as suas aguas o seu sêmen fecundante. Então Isis fertilizava
o Egito com espécies vegetais tão enriquecedoras como o papiro.
Somos também consideradas Jacy, lua
refletida nos rios amazônicos, somos ainda ali Jacy o grande recurso de pedidos
de auxílio dos nossos ribeirinhos indígenas.
Também já fomos Cerridwen a celta que trazia
nas mãos um caldeirão onde preparava poções mágicas que traziam o dom da
adivinhação. Foi ela que deu a Merlin o grande companheiro do rei Arthur, suas
possibilidades advinha tórias.
Apesar de até a Idade Média sermos ainda
consideradas pelo Cristianismo como símbolo do pecado, fomos depois resgatadas
com todos os cultos dados à Maria, mãe do Cristo, em suas varias versões:
Senhora das Dores, Senhora da Saúde, Senhora de Lourdes, Senhora de Fátima e
tantas outras.
O esoterismo nos reabilitou do crime
judaico-cristão do fato de ter feito o
homem perder o paraíso por um simples gesto de curiosidade. Fez da curiosidade
a maior dom feminino. Ensinou-nos que ela nos faz querer vivenciar o bem e o
mal, encarnar-se varias vezes, evoluir. Enfim, tirou da alegoria de Adão e Eva a conotação sensual do pecado original.
Muito bom!!
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