Ter morado em
Santa Catarina foi reportar-me à infância ,quando ainda no Rio de janeiro,
tradições e costumes me eram transmitidos por meu avô português.
Foi lembrar-me
de jogos (petecas, amarelinha, esconde/esconde) canções e versos tão simples e
puros que na época tanto eu como as crianças portuguesas cantávamos a viva voz:
Menina minha prima Lá em cima
daquele morro
Entra dentro desta roda Passa boi, passa
boiada
Diga um verso bem bonito Também passa moreninha
Diga adeus e vai embora De cabelo cacheado
Já
adolescente tive a oportunidade de convívio com a amorável gente catarinense.
Conheci São
Francisco do Sul, a mais antiga de suas povoações que nos lembra a abordagem no
séc. XVI de nautas espanhóis que, salvos de uma tormenta no mar, viram depois
esta acalmar-se e durante os 2 anos que ali estiveram ergueram uma capela de
agradecimento à Nossa Senhora das Graças.Observa-se que apesar das divergências
entre Portugal e Espanha acontecendo naquela época em nosso Sul,os Lusos ali
chegados, conservaram o nome de Nossa Senhora das Graças para a edificação que
hoje é ainda a Matriz da cidade.
Litoral catarinense, rico em enseadas. |
Ali, está a
lembrança daqueles portugueses que no séc. XVII migraram de são Vicente, na
região paulista, para o Sul, servindo a coroa de Portugal, chegando seduzidos
principalmente pelas promessas de ganhos e sesmarias
Povoação com
suas vielas estreitas, ruas de paralelepípedos , coreto na praça e naturalmente
sua fileira de casas coloridas onde se reproduz os beirados que em Portugal revelava quem tinha ou não tinha “eira e beira”. Suas
janelas tão baixas que ensejavam alguém debruçar-se
em seus peitoris para namoros ou amenas
conversas entre vizinhos.
Hoje, vemos
ali ainda bem forte a tradição do “Pão Por Deus”, uma das mais belas trazidas pelos imigrantes que chegaram da
ilha de São Miguel.
Esta troca de
mensagens entre amigos, versos românticos entre namorados, também pedidos
colocados em papeis enfeitados, expostos publicamente, nos mostra a alma simples, singela, do povo português:
“Neste Pão Por Deus, meu amado
De tanto e tanto fervor
Te mando aqui escravizado
Meu coração com amor.”
Hoje ainda
encontrei vários “Pão Por Deus” nas
zonas litorâneas e até no centro de Florianópolis, Desterro. Era assim que
Franklin Cascaes desgostoso com os episódios dolorosos acontecidos na capital
catarinense, cujo protagonista foi Floriano Peixoto, desejava que sempre se
chamasse esta cidade: Desterro, jamais Florianópolis.
Foi mesmo
com as regiões litorâneas ,por onde se espalharam os Açorianos,hoje o maior
contingente étnico da Ilha, que mais tive contato, entrevistas e convívio.
Apraz-me assistir
a Festa do Divino, acontecendo após a quaresma , no Pântano do Sul,uma das
últimas vilas de pescadores do Sul da Ilha.
Não é raro
ver-se dias antes do festejo, um grupo de três ou quatro fieis, levando pelas
ruas fervorosamente a bandeira do Divino (Vermelha, com uma pomba branca ao
centro) arrecadando donativos para os gastos necessários a ele.
Com sua
cantoria, violas e tambores, lá vão eles
parando em moradias, levando seus estandartes com fitas coloridas
penduradas,cada uma delas um agradecimento por alguma benção alcançada.
Porém, será
a coroação do menino imperador investido de uma faixa vermelha no peito, meias compridas
alvas, que carrega um cetro esperando ser coroado, que fará a beleza da festa,
terá a grande importância de não se deixar perder uma tradição portuguesa,
nascida na longínqua Idade Média, especialmente no arquipélago dos
Açores,quando pequenas edificações eram
erguidas apenas para guardarem os apetrechos das comemorações em honra ao
Espírito Santo.
Imperdível é também assistir o arrastão da Tainha que atrai turistas à esta praia do Pântano do Sul, reduto de descendentes
de Açorianos.
Pelos meses
de Abril e Julho nos morros que cercam e embelezam esta vila, lá se postam vigias que irão distinguir nas
ondas do mar a chegada de cardumes que se aproximam das encostas. Sinais são
dados aos pescadores já à espera na praia, que logo se aprontam a por seus
barcos ao mar para os cercarem.
Vi dezenas de
moradores e até turistas ajudando no arrasto das redes. O espetáculo é
realmente pitoresco.
As riquezas
do mar fazem ainda hoje a sobrevivência dos ilhéus dos Açores que se
estabeleceram principalmente nos litorais da Ilha catarinense. Também o cultivo
de ostras que nos proporciona degustar nos restaurantes de Ribeirão da Ilha as
mais saborosas especiarias deste molusco, faz não só a sobrevivência mas também
a riqueza dos produtores que ali
implantaram um dos maiores cultivos de ostras do país.
Não só a
pesca abundante garantiu ao que imigrou a sua prosperidade. Também a “Farinhada”, já conhecida pelos índios Carijós, que aqui encontraram, foi seu grande
recurso. Muito logo, centenas de engenhos de farinha de mandioca espalharam-se
pela Ilha.O solo propício ao plantio de bananeiras, incluiu em suas refeições
caseiras seus famosos bolinhos de banana, iguaria sempre presente.
As antigas
famílias açorianas trouxeram também de sua terra a arte belíssima da renda de
bilro. Atualmente ainda segue sendo uma das grandes fontes de lucrativo
comércio.
Rendeira manejando o bilro. |
Nas margens
da Lagoa da Conceição,hoje chamada até de “Avenida das Rendeiras” em Florianópolis,as
rendeiras com a beleza de suas rendas,a destreza de suas mãos manejando o
bilro, surpreende e encanta o turista.
Porém, se a
intenção é continuar pesquisando os costumes dos primeiros açorianos,podemos
achar seus rastros também na praia de
Armação (sul da Ilha). Lá, como em todos os locais que recebiam o nome de “Armação”, esses imigrantes
iluminavam as suas noites com óleo de baleia. Ali, este cetáceo era trabalhado
aproveitando-se dele suas barbatanas e também sua carne.
Não só
Cristianismo mas também Magia foi
trazida de Portugal para cá.
É ainda Franklin Cascaes em seu belíssimo livro
“ O Fantástico na Ilha de Santa Catarina” quem nos relata esta faceta incluída até hoje entre o povo catarinense.
Tive ocasião
de entrevistar gente relacionada à “ bruxas” atuais, que naturalmente já não andam –segundo os seus “Causos”-
fazendo diabruras como darem nó nos
rabos e crinas de cavalos e outras tantas. Porém, que ainda são procuradas como
advinhas e têm suas previsões e trabalhos de
auxílio contra mal olhado, maus agouros
etc, muito respeitados.
Para nos
jogarmos profundamente nos vestígios lusos que permeiam toda esta linda
Ilha,precisamos aguçar os ouvidos à entonação de voz, à fala daqueles
que carinhosamente são chamados “Manezinhos da Ilha” que não assimilaram
influências dos que chegaram depois, aqueles que ainda guardam muito de um linguajar antigo da terra natal de seus
bisavós e tetravós. Quantas vezes ouvi
deles o seu :“Se queres, queres. Se não queres diz” , o seu “ Pró mode de...” o
seu “trés antonte”.
Santa Catarina,
Continente e Ilha, realmente joga todos os meus sentidos à doçura de minhas
próprias raízes e ascendências portuguesas. Porém, melhor que eu, uma das estrofes do “Rancho de Amor à
Ilha” , de Claudio Alvin Barbosa, nos fala de todo o encanto desta região catarinense
.
“ Um
pedacinho de terra perdido no mar!
Num
pedacinho de terra,beleza sem par!
Jamais a natureza reuniu tanta
beleza!
Jamais algum poeta teve tanto prá cantar!”
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