O imaginário popular com seus mitos é riquíssimo em nosso país. Aqui estão alguns deles:
Mula
Sem Cabeça - O cristão convicto, rigoroso e ingênuo não poupou os sacerdotes que
traiam o seu voto de castidade. Porem, segundo o pensamento católico, a mulher
será sempre a grande sedutora, maior pecadora. Tornaram então suas amásias em
Mulas sem Cabeça. Também chamadas de ”Burrinha do Padre”, em certa altura da
vida, elas os abandonam e numa noite de quinta feira perdem a beleza de seu
rosto transformando-se neste animal decapitado.
Sua sina é correrem troteando desabaladamente,
sem rumo, perdidas pelos campos. Sem a intenção de agredirem alguém, dão, porém,
fortes coices a tudo que lhes passar pela frente. Só voltam a serem mulheres,
caso os seus amantes sacerdotes as amaldiçoarem diante do altar, antes de
iniciarem as suas missas. Não são poupadas nem depois da morte, pois suas almas
tornam-se assombrações cuja presença muitos latidos contínuos de cães anunciam.
Bicho
Papão e Tutú – Mitos que assustavam imprimiram antecipadamente terríveis medos
nas mentes infantis. As mães de cinquenta a cem décadas atrás, sem o preparo psicológico
para a educação de seus filhos como as atuais, costumavam embalar para o sono
os seus bebês amorosamente no colo e caminhando incansavelmente de um lado a
outro. Porém, os amedrontavam com canções deste teor: “Bicho Papão lá de cima
do telhado, pega esta criança que não quer dormir calada”. Depois então,
ingênuas, pediam o afastamento de outro ser imaginário, igualmente terrível,
cantando ainda: “Tutu Marambaia não venha mais cá, que o pai do menino te manda
matar”.
Talvez pensassem depois, que só a segurança
de um pai protetor daria um perfeito descanso, livraria suas crianças dos seres
imaginários nos quais acreditava.
O
Anhangá - Nossos índios também não foram isentos (com certeza ainda não o
sejam) do temor a estes tipos de seres fantasmagóricos.
Muitas tribos opunham Anhangá, ser mau que
era, à bondade de Tupã, para muitos o deus do Brasil.
Os primeiros Jesuítas aqui chegados falaram
muito deste temor que os índios tinham a esta espécie de Duende que trazia maus
agouros para quem tivesse a infelicidade de vê-lo.
Anhangá, ser espiritual, é fantasma maligno
que se encarna com a aparência de um grande veado que ataca caçadores principalmente
nas noites de sexta feira. Todos os males das tribos eram atribuídos a este
maligno ser e muitos locais na mata eram evitados por estarem “mal
assombrados”. Conta-nos Câmara Cascudo, em seu belíssimo livro sobre a
geografia dos nossos mitos, que existe ainda a crença de que um recém casado
deve evitar adentrar este lugares, pois se caso encontre Anhangá, morrerá.
O mito de Anhangá me faz recordar uma canção
escolar que crianças cantavam no dia do índio.
Dizia ela: “Oh! manhã de sol! Anhangá fugiu!
Ah! Ah! foi você! Que me fez sonhar e me lembrar da minha terra!”.
Seguia-se depois um apelo à Tupã que assim dizia:
“Oh! Tupã, deus do Brasil, que o céu enche de
sol, de estrelas, de luar e de esperança. Oh! Tupã tirai de mim esta saudade!
Anhangá me fez sonhar com a terra que eu perdi!”
As
Bruxas - Sua crença está em todos os recantos de nosso país. Porém, em
Florianópolis com seus muitos descendentes das ilhas portuguesas dos Açores,
que de lá trouxeram esta lenda, ela é muito forte.
Contamos hoje com os magníficos escritos de
Franklin Cascais que nos conta “causos e mais causos” atribuídos a bruxas e
relatados por gente humilde e contadora de histórias.
Geralmente trata-se de idosas que foram a
sétima filha de partos de mães que deram a luz sete filhas mulheres uma após
outra. São vistas voando em bando, desenrolando os fios de um novelo que
determinará pela maior metragem do fio desenrolado quem será a chefe do bando.
Mas trabalham também individualmente em toda
parte da ilha principalmente em Cacupé, na Lagoa e em Santo Antônio de Lisboa.
O temor de alguns ingênuos habitantes
afirmam que com suas bruxarias chupam o sangue de criancinhas e lhes provocam
diarreias até deixa-las em pele e osso: infernizam a vida de pescadores quando
estão a tarrafarem, equilibrando-se sobre o balanço das ondas transvestidas em
formas assustadoras.
Em dias passados os cavalos foram as suas
maiores vítimas. Faziam elas tranças em seus rabos com nós tão apertados que
deixavam os pobres animais sangrando e as vezes os faziam voar depois com elas
sobre o rancho de seus donos, exibindo a estes descaradamente, em deboche,
aquele malefício. Para os seus donos havia apenas o recurso de leva-los nas
noites de Sexta feira Santa para banharem-se no mar para afastar deles
possíveis bruxedos.
Acreditam ingênuos ilhéus que suas façanhas são
conduzidas pelo “Capeta”, pois, já quando algumas bruxas nascem já lhes coloca
como sinal um dente canino no céu da boca e as fazem sempre acompanhar por
morcegos que dão voos rasantes e por corujas.
O antídoto mais usado contra bruxarias é sem
dúvida o cheiro do alho, por isso ainda usa-se nos ranchos mais humildes
pendurar-se réstias de alho nas paredes.
Franklin Cascais, porém, distingue bruxas de
feiticeiras. Essas últimas são as famosas e benquistas benzedeiras, muito
requisitadas, que também afastam desavenças familiares e resultados de “mal
olhado”. Ainda hoje são muito procuradas em Ribeirão da Ilha e Monte Ratone.
Costumam benzer uma casa endemoninhada com a queima de cascas de alho. Também a
água recolhida numa fonte antes que o sol se ponha na Sexta Feira da Paixão, também
é acreditada como um recurso espiritual muito eficaz contra estes tipos de
maldades.
Assim é, na forte ingenuidade das crenças catarinenses,
o grande medo causado por estas imaginárias bruxas.
O
Lobisomem - Seu mito percorre todas as regiões de nosso país com poucas
variações entre eles. Segundo a tradição, origina-se de uma doença milenar de
nome Licantropia. Conta-nos Câmara Cascudo, o grande mitólogo, que a
Licantropia nos leva até um rei da Grécia antiga chamado Licaon que tentou
matar Zeus lhe acabando com a imortalidade. Este então o castigou
transformando-o, pondo nele a maldição de um lobo voraz. Já a visão católica moderna atribui a origem
do mito a castigos contra relações sexuais incestuosas.
O mito nos diz que depois de sete filhos
machos, o último deles poderá tornar-se um Lobisomem. Não havendo, pois, nenhum
indício de que isto acontece à mulheres.
Como homem, ele apresenta uma aparência de
cor amarelada e tem no rosto uma palidez cadavérica. Como personalidade é
geralmente melancólico, dado a esquivar-se à convivências, retraído e apático.
Apresenta as vezes os joelhos e cotovelos esfolados, pois quando transformado,
corre sobre eles numa imitação de patas.
Transformado, é uma espécie de vampiro cuja
voracidade por sangue o faz dar dentadas nas carótidas de suas vítimas. Essas
são geralmente animais novos como porquinhos, novilhos, cabritos e as vezes até
crianças recém nascidas.
Sua transformação dá-se habitualmente nos
primeiros minutos de uma sesta feira. É então quando procura um lugar que lhe
dê estrumes de animais nos quais irá se deitar, buscando ali energias animais.
Então, tirará a roupa dando sete nós nelas. Acontecendo tudo isto em noites de
lua cheia, quando então uiva como um lobo.
Tal maldição lhe durará até as duas da
madrugada, hora em que voltará ao lugar em que se transformou. Tirando os nós
das roupas, veste-as retornando à aparência humana. Se alguém desejar fazer-lhe
mal, buscará suas roupas e tirará delas os nós, pondo-o para sempre na condição
de um lobo voraz por sangue. Estas
histórias são contadas e acreditadas do norte ao sul do Brasil.
O Boitatá - Esse mito refere-se ao
desconhecimento do que produz o Fogo Fátuo, aquela espécie de emanação que
surge luminosa, fruto da decomposição de corpos animais. Era já muito temido
pelos Tupis-Guaranis no Séc. XVI, logo após nosso descobrimento. É cultuado especialmente
no Sul onde é conhecido como Cobra de Fogo.
Sua aparência é vista como uma espécie de
Jiboia que emite clarões. Vive geralmente nos pântanos e muito nos cemitérios,
devido as decomposições naturais ali acontecidas.
Se alguém avistar o Boitatá, o mito
aconselha a permanecer parado, não provoca-lo com uma corrida, pois a
velocidade desta cobra sempre o vencerá para comê-lo, melhor dizendo comer-lhe
os olhos, parte visada sempre pelo Boitatá. Em geral, o Boitatá ataca as
pessoas que desrespeitam as matas, entrando nelas para destruí-las. Olhar a
Cobra de Fogo nos olhos - diz o mito - é sempre perigoso, pois pode cegar o
incauto.
Alguns
locais também receberam a crença de serem encantados. Provocam o temor de serem
adentrados. Assim temos no Sul a Salamanca do Jarau e no Norte a Alamoa de
Fernando de Noronha.
A
Salamanca do Jarau - Trata-se de uma caverna, uma furna em Quarai no Rio Grande
do Sul chamada de Cerro do Jarau. Esta caverna estaria cheia de tesouros e
riquezas, mas guardada por um grande lagarto encantado.
Seria ele em sua origem uma princesa moura
que chegara aqui quando da expulsão dos mouros na Espanha. Trouxera com ela um
tesouro que escondera na caverna. Aqui, porém, foi transformada pelo diabo
indígena Anhangá num grande lagarto, com uma cabeça que emite fogo de uma pedra
em sua cabeça. Então o lagarto passou a guardar a entrada da caverna cegando o
incauto que o encontrar.
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Cerro do Jarau, no município de Quaraí |
O
mito nos conta ainda que um sacristão do tempo da catequese Jesuítica no Sul
conseguiu domar o lagarto. Leva-o então para o seu quarto, aprisionado. Porém,
quando já sonhava com as grandes riquezas da caverna das quais seria dono,
subitamente o lagarto se transforma numa linda mulher, o que de fato era.
Seduzido por sua beleza, acaba sucumbindo a seus encantos e vive com ela em
grande paixão.
Tendo sido, contudo, descoberto o seu deslize
contra votos de castidade que havia feito, iria ser executado, mas justamente
no momento em que seria morto aparece o lagarto e cega a todos os seus
executores. Foram depois os dois se esconderem na caverna onde vivem sua paixão.
Guardam até hoje as riquezas da Salamanca do Jarau, intocadas, pois todos que
pretendem visita-la terão que enfrentar a potência cegante do lagarto encantado
cujo nome é Teiniaghá.
A
Alamoa – Desde 1737 a ilha de Fernando de Noronha se transformou num presídio.
Assim permaneceu por mais de 200 anos. É então desde este longínquo tempo que o
imaginário dos detentos, que podiam circular pelo espaço da ilha, criou a lenda
da Alamoa.
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Morro do Pico, em Fernando de Noronha. |
É ela uma linda mulher loura vista em dias
de tempestades aparecendo na praia com longos cabelos que lhe chegavam até os
joelhos ,deixando apenas entrever uma sedutora nudez e ali bailava, bailava
para o encanto dos detentos. Recolhia-se depois à sua moradia situada no Morro
do Pico, grande elevação de pedra que se avista desde longe, tornando mais
majestosa a deslumbrante beleza da ilha.
Escutavam então em sonhos uma voz feminina
que de lá os chamava para vir a seu encontro no Pico, presumivelmente para ajuda-la
a desenterrar um tesouro. Seduzidos pelo tesouro e por um possível
relacionamento amoroso com tal mulher, os prisioneiros iam até o Pico e perto
dali esperavam que a noite de sexta feira chegasse, ocasião em que o Pico misteriosamente
abria na pedra uma fenda, uma porta de entrada.
Lá chegados, o pavor, porém, os tomava, pois
ao invés daquela linda mulher, encontravam uma caveira ambulante assustadora,
que imediatamente fechava a fenda da rocha os prendendo ali. Ninguém via mais
estes homens.
Muito
tempo ainda depois do presídio fechado, este mito levou pescadores e
marinheiros a não se aproximarem do Pico temendo a presença da Alamoa caveira.
O
Boto - Muitas crianças na Amazônia são chamadas de “Filhas do Boto”. Isso
deve-se a este mito cultuado por gente muito humilde.
Em locais de festas nas pequenas comunidades,
costuma aparecer um rapaz muito bem vestido todo em terno branco, que encanta com
o seu charme as moças solteiras locais.
Na verdade, ele é fruto do encantamento de um
Boto rosa que vive nos rios amazonenses e que repentinamente transforma-se
naquele sedutor rapaz. Nas festas, ele, muito galanteador acaba por convencer
alguma moça jovem para acompanha-lo num passeio idílico nas margens do rio. É
ali que ele as estrupa e as engravida.
Esse mito vem a séculos justificando a
gravidez de muita moça engravidada pelo próprio namorado, que foge assim à fúria
de pais rígidos, mas ingênuos.
O
Saci Pererê - É um negrinho baixo que tem uma perna só, andando aos saltos.
Fuma um cachimbo e tem à cabeça um barrete vermelho, carapuça que lhe dá
poderes mágicos como aparecer e sumir repentinamente. É muito brincalhão nada o
que faz é por maldade, mas apenas para se divertir. Suas brincadeiras são incontáveis:
Espalha cinzas de fogões apagados; tira das galinhas poedeiras ovos de seus
ninhos; impede os cavalos de correrem puxando-lhes os rabos; dá assobios repentinos
no ouvidos de viajantes ; mistura sal em recipientes de açúcar; enfim, faz tudo
com uma grande gargalhada , em alegre diversão.
O Saci foi aproveitado na literatura por
Monteiro Lobato como personagem em seu “Sítio do Pica-Pau Amarelo”. Quando então
este mito tornou-se muito conhecido.
Está hoje espalhado em todo o Brasil, mas é
mais cultuado na zona onde foi originado na região das missões. Entre os índios
era chamado de “Yaci Yaterê”.
O
Negrinho do Pastoreio - Uma das lendas mais caras aos gaúchos é sem dúvida esta
do Negrinho.
Foi muito contado pelo tempo em que no Séc.
XIX em nosso país lutávamos pela abolição da escravatura, tentávamos mostrar a
condição humilhante em que vivia os nossos escravos negros.
Trata de um estancieiro muito cruel que
possuía um menino negro de 14 anos como escravo. Este não fora batizado, então,
como não tinha padrinho ele próprio se dizia afilhado da Virgem Maria. Também
nem nome lhe deram sendo simplesmente chamado de Negrinho.
Impassível e humilde galopava pelas coxilhas
treinando um cavalo baio muito lindo a vários outros. Um dia o estancieiro o ordenou pastorear mais
de trinta cavalos, mas num descuido, ele deixou justamente o cavalo baio
soltar-se, se perdendo. Dando falta do baio, o estancieiro deu inúmeras
chibatadas no Negrinho deixando-o a sangrar e depois o colocou preso sobre um
formigueiro certo de que aquele enxame de formigas o mataria.
Alguns dias depois foi até o formigueiro e o
encontrou de pé com o corpo livre de qualquer marca e ao seu lado estava a
Virgem Maria, testemunhando que o escravo menino já estava no céu, mas na
companhia de sua madrinha. Desde então, é visto nos campos um negrinho montado
num cavalo baio tocando um pastoreio. Dizem que ali ele está sempre procurando
um objeto que alguém perdeu. Um objeto perdido requer de nós que façamos uma
oração ao Negrinho e acendamos uma vela, que ele então vai pôr num altar à
Nossa Senhora. Logo, o objeto estará à
vista de quem o perdeu.
Entre as canções gaúchas esta essa: "Negrinho do pastoreio, acende esta vela pra mim! Espero que me devolvas a querência que perdi!".