Passou a ser assim chamado desde que no Sec.XVI,
tal como nos conta Galeano no seu clássico livro “As Veias Abertas Da América
Latina”, o índio Hualpa perdeu-se uma noite na região que hoje é a Bolívia, ao
pé de uma montanha de quase 5 mil metros de altura, correndo atrás de uma lhama
fugitiva e acendeu um fogo para aquecer-se.
Colônia de Sacramento com o Rio da Prata ao fundo. |
“A fogueira iluminou um filamento branco e
brilhante. Era pura prata” Surgia assim a fabulosa Potosí. Surgia para a ganância dos invasores
espanhóis; para encher os cofres de Carlos V; para a exploração, martírio e
quase extermínio da população indígena que por ali vivia: Charruas, Guaranis, Tapes
e outros.
Potosí, hoje uma das cidades mais pobres da
Bolívia, tornou-se a mais rica de sua época. Em prata, igrejas, palácios,
mosteiros foram erguidos. Historiadores falam em ferraduras de cavalos de
prata; em procissões, onde para sua passagem se forravam com prata as ruas de
Potosí; em festas para os nobres espanhóis ali residentes,quando as refeições
eram servidas em porcelanas vindas da China, em cristais de Veneza em que as
mulheres se perfumavam com essências trazidas da Arábia pisando em chão forrado
de tapetes persas.
Potosí abriu novas povoações nas margens do
Rio da Prata proporcionadas pelo comércio de couro, feito com os fazendeiros e
criadores locais.
Nos finais do Sec XVI, pelo tratado da
União Ibérica entre Espanha e Portugal, grupos de portugueses chegaram à Buenos
Aires e passaram a fazer concorrência aos comerciantes espanhóis que ali tinham
a exclusividade do comércio da prata. Todo ele feito pelo trabalho insano,
sacrificante dos indígenas. Um antagonismo entre espanhóis e portugueses teve
início.
No Sec.XVII começa o tráfego de escravos
negros vindo de Angola, trazidos por judeus portugueses, os chamados Cristãos
Novos ou Marranos, aqueles que chegaram ao Brasil, perseguidos pela Inquisição
em Portugal. Tornaram-se eles os senhores absolutos do tráfego negreiro que
saindo de São Paulo e Rio de Janeiro vinham abastecer de mais mão de obra a
América espanhola (América Central, Potosí e Buenos Aires) vindo aumentar o
contingente de nativos indígenas já explorados impiedosamente.
Trecho do Rio da Prata. |
Quando em meados do Sec.XVII o tratado da
União Ibérica foi cancelado, os portugueses de Buenos Aires foram expulsos e se
espalharam pela banda oriental do rio, para o Uruguai, atual zona de Montevidéo
(tal como a chamam os uruguaios). Como defesa de seu novo território, fundaram
a Colônia de Sacramento. Então, o tráfego negreiro passa a ter ali a sua sede.
Só no início do Sec. XVIII o governador de Sacramento desembarcou nela 1.654
escravos negros. Eram vendidos aos fazendeiros criadores da Banda Oriental.
Para
diminuir a troca comercial portuguesas naquela zona, em 1724 o governador de
Buenos Aires funda a cidade de Montevidéo.
Seu nome (conforme nos contam os guias
turísticos) se deve aos nautas que percorrendo o Rio da Prata, avistando
terras, lhes faziam marcações para identifica-las depois pelos montes que as
cercavam. Então assim temos: Monte VI (seis em romano) d (sua direção) e (este)
o (oeste) formando então a palavra Montevidéo.
Porém, a prosperidade de Colônia de
Sacramento crescia, pois além da troca de escravos por couro, também escravos
eram vendidos a grupos espanhóis dominantes em Buenos Aires que, em troca,
mandava à Sacramento a prata. Para tais grupos havia a vantagem de revender os
escravos para o Chile e Peru por preços exorbitantes, muito superiores aos que
haviam comprado.
Em 1760, 50% da população de Sacramento eram
escravos negros, na verdade moradores temporários, sempre à espera de serem enviados
para os fazendeiros da Banda Oriental ou para comerciantes de prata argentinos.
Porém, tal prosperidade não iria manter-se, pois após sete tentativas de
invasões por parte de Buenos Aires, esta finalmente colocou aquela colônia
portuguesa definitivamente na mão dos espanhóis.
Ruínas das Missões Jesuíticas no Rio Grande do Sul. |
Hoje, as lembranças do seu primeiro período,
encontramos em Sacramento nas construções portuguesas resistindo ao tempo; em
suas árvores copadas e bancos nas calçadas que atendiam o costume português dos
vizinhos encontrarem-se ao entardecer para “jogar conversa fora”; nas tabuletas
com escritos singelos, postas nos portais das casas, que naqueles anos do Sec.XVIII
indicavam as atividades de seu morador.
Em meio a tanta luta acontecida em suas margens,
a região do Rio da Prata nos trouxe o belíssimo trabalho dos Jesuítas que
surgiram para minorar o sofrimento dos índios Guaranis.
Chegaram às suas margens já em 1609
implantando um sistema de reduções e garantindo a vigia sobre a navegação por
toda a Bacia do Prata. Realizaram suas catequeses em povoações que abrangiam o
Uruguai e Tape (atual Rio Grande do Sul), quando então fizeram multiplicar-se
pela região os rebanhos de gado.
Quando da fundação de Sacramento lá estavam
eles. Porém, estiveram ali pouco tempo, pois logo fugiram aos ataques dos
bandeirantes paulistas que chegavam em busca de escravos. Entraram então, com
seus rebanhos e seus índios protegidos, nos territórios onde hoje é o Rio
Grande do Sul acabando por fundar ali 7 grandes reduções. Na posse definitiva
de Sacramento pelos espanhóis todas as terras ocupadas ali pelos Jesuítas
ficaram para os espanhóis.
Sepé Tiaraju. |
Muitos padres foram considerados traidores
à Companhia de Jesus e a Madri por se colocarem ao lado dos guaranis atacados e
massacrados. Contudo, em sua maioria os
Jesuítas tiveram que optar por renunciar aos Sete Povos, abandonando todo seu
trabalho de anos nas reduções, ou a desobediência às ordens enviadas pelo Geral
da Companhia em Roma, o que significaria para eles certamente uma expulsão da
Igreja.
O Sec.XIX entrou tumultuado na região,
trouxe várias invasões nos países limítrofes do Rio da Prata. Tivemos os
ingleses, no auge de seu poderio econômico e colonial, invadindo Buenos Aires,
dedicando-se também ao terrível e impiedoso tráfico de escravos, fazendo
concorrência com Sacramento, permanecendo ali até que São Martin fez a
independência.
Coxilhas (Pampas) gaúchos. |
Hoje, ao sairmos do Rio Grande do Sul, em
direção a esta região do Prata, deixamos para traz nossas estâncias com seus
longínquos horizontes e coxilhas, zonas plenas de solidão, pois seus atuais
proprietários são as novas gerações que habitam nossas grandes cidades,
chegando nelas apenas em visitas.
Entramos nas praias deste rio no Uruguai,
praias que conservam uma beleza nativa, algumas tais como naturezas intocadas.
Chegamos à Montevidéo (esta cidade acolhedora que
os gaúchos tanto amam) depois à Sacramento, tão bucólica que nos parece nunca
ter sido sacudida por sofrimentos, para então atravessarmos o Prata em barco
para atingirmos Buenos Aires, cidade linda com sua arquitetura madrilena
majestosa.
Uma parte pequena, é verdade, teremos visto
da Bacia do Prata. Porém, ali já nos vem à lembrança todos aqueles homens que
mourejaram em esforços inimagináveis na feitura do couro, que proporcionou a
riqueza a seus descendentes; à lembrança os martírios infligidos aos nossos indígenas,
considerados homens sem ter o direito a sequer ter uma alma, daqueles também
infligidos os negros, peças, como eram chamados, marcados a ferro quente como
animais e à lembrança a terrível opção requerida aos Jesuítas de terem
fidelidade a sua Igreja ou aos índios que amavam e orientavam.
A
história desta região nos envolve, emociona, nos jogando intensamente em todas
as nuances de dedicações, maldades, explorações, amores, e renúncias que os
homens que nela viveram manifestaram.
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