sexta-feira, 12 de agosto de 2022

Cidades Históricas de Minas Gerais

 Passeando por este Brasil afora, é imperdível uma estadia nas cidades históricas mineiras. Visitar locais como Sabará, Congonhas, Mariana, Tiradentes e naturalmente a alma imortal de todas elas: Ouro Preto, com suas ladeiras, seu casario estilo português, seus porões e senzalas de escravos domésticos é, sem dívida, retornar ao nosso passado. Esta última então chamada de Vila Rica, era em tempos do Brasil colonial pródiga em arte, gastronomia, política, amor, religiosidade e riqueza aurífera.

Ouro Preto, a principal das cidades
históricas de Minas Gerais.

    Surgiu como as demais com a chegada dos bandeirantes em busca de ouro já ao final do século XVII. Hoje é tombada pela UNESCO como patrimônio cultural da humanidade e naturalmente é a joia do Barroco americano.

  Seu nome Vila Rica procede do ciclo de ouro brasileiro com suas duas mil minas catalogadas. Entre elas a maior delas a “Da Passagem”. Nos seus 30 quilômetro de galerias pode imaginar, com pesar, a humilhação e o sacrifício de centenas de escravos que a garimpavam, segundo as regras cruéis da escravidão peculiares ao nosso período colonial. Mancha nacional que jamais esqueceremos.

   Foi em Vila Rica que aconteceu. A maior revolta contra a exploração portuguesa aos habitantes locais: A Inconfidência Mineira. Durante o ciclo de ouro todos aqueles que encontrassem ouro deveriam pagar o “Quinto”. O ouro era derretido, feito em barras e enviado à Portugal. Cada região pagava anualmente também uma quantia de mais ou menos 1.500 Kg à coroa. Quando esta taxa não era paga, os soldados portugueses entravam nas casas e retiravam os bens dos moradores. A isto se chamava “Derrama”.

   Os impostos revoltavam a população e começou então o movimento liderado por Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes. Influenciados que foram os inconfidentes pelas ideias iluministas vindas da Europa. Outros foram também os poetas Tomás Antônio Gonzaga e Claudio Manoel da Costa. Porém, um dos inconfidentes Joaquim Silvério dos Reis, para se livrar de dívidas com portugueses, delatou o dia que se daria a revolta. Tiradentes foi condenado à forca no Rio de Janeiro, então capital da Colônia, seu corpo foi esquartejado e sua cabeça exposta na praça principal de Vila Rica, local onde um século depois foi erguido um monumento ao confidente. Os outros foram degredados para a África. Um deles, Manoel da Costa, suicidou-se na prisão.


Tiradentes, uma das cidades mais pitorescas
da rota histórica de Minas Gerais.

Havia certamente recursos para ludibriar as exigências portuguesas. Um deles era o tráfego de ouro que contava com o ”Santo do Pau Oco”. Na igreja de Nossa Senhora de Pilar (a mais rica de Minas) encontra-se um deles. O ouro que não pagaria tributo era escondido através de uma abertura dentro da imagem do santo. Dali era levado nos andores de uma procissão, passando pelas barbas dos guardas que margeavam o caminho. Caso houvesse o perigo de cair algum ouro no chão e chamar a atenção dos guardas, a matraca encobria o barulho com seu som. Quando havia muito ouro a ser traficado, o número de procissões aumentava.

   O culto cristão era muito forte em Ouro Preto em tempos coloniais. Contemplar a beleza das igrejas mineira é imperdível.

   Na igreja de santa Efigênia (esta, uma princesa núbia responsável pelo Cristianismo na Etiópia), em meio ao esplendor dourado do Barroco, vemos

 Figuras de pelicanos. Estão eles ali fora do contexto de um templo? Certamente não. Eles representam o sacrifício do Cristo. É o animal que fere o próprio peito com o bico para alimentar com seu sangue seus filhos, quando estão famintos.

   Para contribuir com a feitura desta igreja, negras, já forras, levavam ouro nos cabelos e os lavavam depois na pia ali deixando o ouro.

   Quem tiver o privilégio de passar a Semana Santa em Ouro Preto, viverá dias inesquecíveis. Na sexta feira podemos assistir a “Procissão das Almas” em Mariana. Nesta época do ano- assim é acreditado- os mortos deixam o cemitério num cortejo fúnebre e passam pelo centro histórico. Isto se refere a uma lenda do século XVIII.

   É contado que uma senhora tinha o hábito de ficar na janela bisbilhotando até a madrugada para ver quem se atrevia a sair àquelas altas horas. Até que uma noite percebeu uma estranha movimentação de pessoas vestidas de branco trazendo velas acesas. Não reconheceu ninguém até que uma delas entregou-lhe uma vela recomendando que devesse pôr em seu oratório e ser depois lhe devolvido. Pela manhã, a senhora viu que em lugar da vela haviam ossos. À noite lhe foi pedido estes de volta com esta recomendação: “Não era para ficar debruçada na janela pelas madrugadas, pois a procissão das almas acontecia aquela hora”.

   No sábado, deveremos ficar acordados à noite para assistir a feitura dos tapetes que forrarão as ruas principais. São eles feitos de serragem, borra de café, palha de arroz e cal.

   No domingo, podemos acompanhar a Procissão da Ressurreição. E naturalmente uma grande atração da Páscoa é a teatralização de cenas do Novo Testamento que conta com um vestuário riquíssimo e uma arte teatral impecável de seus atores.

   Casos de grandes amores também aconteceram em Vila rica. Ali tivemos o amor cheio de desditas, tão bem descrito pelo poeta inconfidente  Tomas Antônio Gonzaga que escreveu “Marília de Dirceu”.  Marília é o nome poético de Maria Dorotéia de Seixas, noiva do poeta e Dirceu o pseudônimo simbólico do próprio Gonzaga. Ao vê-la já escreveu: “Mal vi teu rosto o sangue gelou-me, tremi e mudou-se das faces a minha cor”. Pela Inconfidência, foi ele degredado à África.  Mesmo passando por masmorras, inspirado pela saudade de Marília, escreveu tantos versos à ela que daria para encher livros.

Congonhas e sua afamada Basílica do
Senhor Bom Jesus de Matosinhos.

    Lembremos também da paixão fulminante do contratador de diamantes João Fernandes Oliveira pela mulata escrava Chica da Silva, a quem todos na cidade invejavam pelos tantos privilégios que lhe eram por ele concedidos e que a rodeavam de bajuladores.

    A Gastronomia, tão prosaica, é, porém, uma das atrações das cidades mineiras. Como se pode ir à Minas sem provar sua cozinha típica? Seu feijão tropeiro, sua couve, seu tutú de feijão, seu torresmo?

   A arte é certamente o ponto alto de Ouro Preto. Iremos então buscar a genialidade de Antônio Francisco Lisboa, o “Aleijadinho”.

   Aos 47 anos apareceu-lhe uma estranha moléstia que lhe fez perder os dedos dos pés e atrofiar os das mãos. Já então não andava e era carregado nas costas de um escravo. Suas mãos eram amarradas com panos e foi assim que executou a maior parte de seu trabalho.

   Em Congonhas, no adro da igreja de Matosinhos estão esculpidos os seus 12 apóstolos com placas em cada um escritas em latim como no Velho Testamento. Assim, temos Daniel dizendo: “Encerrado na cova dos leões sou libertado pelo auxílio de Deus”. Jonas a dizer: “Engolido pela monstro passei três noites no ventre do peixe e depois voltei vivo á Nínive”.

   Podemos ainda apreciar extasiados as 64 imagens de cedro (colhido nos meses sem erre- conforme dizem-) de sua Via Sacra pintadas pelo mestre Ataíde, o grande pintor do barroco mineiro. Como curiosidade, os pavimentos das ruas de Congonha são chamados de Pé de Moleque, por terem sido feitos por negrinhos escravos. Tais profetas fora esculpidos em 1800, quando o Aleijadinho já tinha 70 anos, em plena doença.

   Arte é também o concerto que se ouve em Mariana pelo órgão de fole, movido à mão de 1701. Ouvir seus acordes leva-nos a um sublime enlevo, toca o coração dos mais insensíveis. Mariana possui ainda um dos mais belos acervos em Arte Sacra do Brasil.

   Arte pura é encontrada no Museu do Oratório. Eram inúmeros na época  colonial. Estavam presentes em residências particulares, pois serviam para afugentar maus espíritos. Sem esquecermos naturalmente do vasto artesanato de Pedra Sabão.

   Com os olhos saciados por tanta beleza vista, teremos percorrido um dos mais importantes roteiros turísticos de nosso país: As cidades históricas de Minas.