quarta-feira, 19 de novembro de 2014

20 de Novembro - Dia da Consciência Negra - Chico Rei


Chico Rei foi uma das figuras negras mais marcantes de nosso escravismo colonial. Em sua terra, o Congo, fora um rei respeitado por suas reações guerreiras à invasões guerreiras vindas de outras tribos ,onde sempre procurava como primeiras atitudes as tentativas de pactos com inimigos. Era conhecido como valente, mas conciliador.

   O Congo era próspero e seu reino um dos mais ricos da África, com sua tribo adornando-se de ouro e pedras preciosas.    Perderia tudo, até mesmo o nome que era então” rei Galunga”, porque todos os escravos levados com ele para o além-mar, batizados e marcados por ferro a fogo, receberam o nome de” Francisco”.

    Sua família (monogâmica) constava de sua esposa, uma filha criança ainda e seu filho primogênito Muzinga.,Foi posto em algemas por traficantes de tribos entreguistas africanas, que viam na venda dos reféns de lutas entre nativos, um grande lucro.

    Fez junto à família a travessia ao Brasil num daqueles torturantes navios negreiros onde poucos iriam sobreviver à inimagináveis crueldades. Quando uma tormenta ameaçou naufragá-lo, pois levava demasiada carga de escravos (peças, reses, como os chamavam pejorativamente) ,para alívio de seu peso,no porão onde se alojavam mulheres e crianças, todas foram atiradas às fúrias do mar. Entre elas a esposa e filha de Chico.

    Assim, aquele antigo e poderoso rei, humilhado, com o pescoço preso a uma gargantilha de ferro, em condições sub-humana, levando no peito a saudade da esposa e filha ,tendo em mão apenas seu único filho, desembarcou para ser escravizado em Ouro preto. Ouro Preto, chamada então Vila Rica, tinha seu nome justificado. Proliferavam nela incontáveis jazidas de ouro da fabulosa época aurífera de Minas Gerais.

Escravatura no Brasil.

    Logo, ali correu a notícia que um rei do Congo chegara entre os novos cativos.  Por respeito que para os negros representava uma autoridade, mas sobretudo pela postura que mantinha em qualquer episódio doloroso , Francisco passou a ser chamado de Chico Rei e respeitado. Na mina de ouro de seu rico proprietário, tornou-se o mais diligente nas escavações e jamais se envolveu nos motins de negros rebelados que resultavam sempre em inúteis sangueiras , onde as condições dos escravos ,ante o poder dos brancos, sempre pioravam.

    Em poucos anos de trabalho, ganhou a confiança de seu dono e recebeu dele a incumbência de ser feitor para controlar centenas de negros. Ao contrário da maioria de feitores que, como homens revoltados, eram quase sempre mais cruéis que os proprietários, levando seus próprios conterrâneos a obedecer-lhes a peso de chicotes e torturas, Chico rei ,generoso, passou a melhorar sobremaneira ,as condições dos escravos.

    Por seu caráter impoluto, Chico chamou a atenção e ganhou a amizade do padre de uma paróquia de Vila Rica. Quando então a mina em que trabalhava mostrou estar já absolutamente esgotada pelo tanto e tanto ouro já dela retirado, o padre fez a seu proprietário uma proposta que mudaria a vida de Chico: Comprar a sua alforria. Este era o único direito do escravo. Ser tornado forro desde que fosse pago a seu dono a mesma quantia com que fora comprado ao traficante no porto aonde chegara.

    Assim, Chico deixou a mina apenas com uma tristeza: deixar para trás seu filho que ali ainda permaneceu escravo. Porém ,com a firmeza que lhe era peculiar, ao abandona-lo garantia: Farei de ti um negro forro e voltarei para busca-lo. Foi no que se empenhou. Fazendo agora um trabalho remunerado, conservou-se numa vida de privações onde passava fome e sacrifícios para juntar o suficiente a fim de ter em mãos a alforria do filho, o que dali a um tempo conseguia. Contudo, seu sonho era maior: Tornar forros todos aqueles de sua tribo, embarcados com ele do Congo.


Igreja de Santa Efigênia em Ouro Preto.

 Havia na personalidade de Chico Rei algo muito forte: a devoção a seu deus pagão Zambi Apongo. Agora, pela convivência com o padre, familiarizou-se com os santos negros do Cristianismo: São Benedito, Nossa Sra. do Rosário e santa Efigênia.  Passou a dar a eles de coração aberto, simplório e ingênuo o mesmo culto.

    Seu antigo dono, já velho e endividado pelos luxos de vida já despendidos e onerado pelos tributos pagos ao rei de Portugal, veio a ele com outra proposta: Vender-lhe os terrenos de sua mina esgotada, garantindo –lhe que só ele ,Chico, com sua competência, poderia achar outro veio de ouro, caso ainda houvesse algum no terreno vendido. Mostrou a afeição que já lhe tinha, doando-lhe os instrumentos e ferramentas para iniciar as suas buscas.

    Comprada a mina, de fato dali a um tempo, após estafantes e insanas escavações, Chico e seu filho encontraram uma grande pepita de ouro que os levaria a desenterrar um veio riquíssimo.

    Chico enriqueceu, mas, embora ainda novo, tinha já o corpo encurvado pela faina de tirar da terra aquilo que era a sua meta: dar a liberdade para cada um de seus conterrâneos com ele desterrados.

Congada.
   Com os benefícios que seu carisma conseguia, foi o grande protetor em Vila Rica dos negros em todas as injustiças que sofriam.

    Por sua devoção, construiu nos altos de um morro uma capela à santa Efigênia como gratidão a paróquia que o auxiliara.

    Foi Chico o introdutor da “Congada”, esta festa afro que hoje faz parte de nosso folclore , já espalhada não só no sudeste como em vários estados brasileiros. Um dia em Vila Rica, frente a igreja de Nossa Sra. do Rosário,com o consentimento de autoridades da Igreja, pela influência de Chico, juntaram-se negros forros, vestindo roupas e calções coloridos ,blusas de seda branca e golas de rendas, mas descalços. Levavam na cabeça enfeites de espelhos refletindo a luz do sol, e guizos pendurados, dançavam, cantavam melodias congolesas, faziam evoluções com acompanhamento de tambores. Reproduziam uma festa pagã em culto ao deus Zambi-Apungo. Nela, Chico ,já um rei coroado no passado , recebeu novamente uma coroa. A festa do congado de Chico espalhou-se rapidamente e, como tradição, nela é sempre coroado um rei.

   Morreu aos 72 anos, alquebrado pelo excesso de trabalho e por todas as torturas sofridas, levando sempre consigo a saudade de seu amado Congo, pedindo a seu filho Muzinga que sempre tivesse dó dos negros e procurasse reservar sempre o suficiente para torna-los forros . Concretizara seu sonho : Dera a liberdade a cerca de trezentos, todos os de sua tribo que fizeram a travessia naquele fatídico Negreiro.

   Foi pranteado pela população escrava de Vila rica, que viam nele o único chefe generoso; pela Irmandade de Nossa Sra. do Rosário dos Pretos e até por oficiais e autoridades da corte portuguesa. Foi, sem dúvida, o mais influente personagem do ciclo de ouro em Minas Gerais.

    Hoje, o imaginário popular diz que sua alma caminha entre os congadeiros compartilhando com eles os festejos da “Congada”.