No Andes, o culto ao solstício de inverno nasceu na Bolívia, na região próxima ao lago Titicaca, na cultura milenar do Tiauanaco, que é anterior a cultura inca. Ali, até hoje milhares de nativos, turistas , místicos e historiadores assistem todos os anos, contritos, o nascer do dia 22 de junho, na Porta do Sol, acendendo fogueiras para saudá-lo. Tal costume milenar passou ao Perú, quando o deus Viracocha fez do barro do lago o casal Manco Capac e Mama Occlo e os fez deixar o lago Titicaca para irem a região de Cusco fundar o Império Inca. Hoje, é ali nos 3.440 m de altitude de Cusco que acontece a mais bela tradição andina do solstício.
Os indígenas do antigo império incaico anterior a invasão espanhola, viviam aninhados ao sopé de montanhas, isolados em altitudes áridas e desde os tempos imemoriáveis da sua criação possuíam uma religiosidade extremada. Tinham também uma atenção muito voltada para as mudanças das estações anuais, mudanças solares e lunares porque delas dependiam seus plantios ,sua sobrevivência. Um dos principais alimentos da cultura inca era a batata.O solstício de inverno iniciava para aquela região um período seco, de poucas chuvas em que se colhia a batata . A gratidão a Inti ,o deus solar se fazia então necessária. Afinal, a semente que fora concebida no equinócio do outono, em março, agora nascia. De sua quietude no útero da terra, a Pachamama era iniciado um movimento de doação para fora, a colheita surgia. Então, o ano novo para os incas era nesta data que tinha início.
Romance que transcorre no cenário andino.
Os historiadores, antropólogos e filósofos concordam que este sentimento espiritual de ligação à mãe natureza Pachamama está até hoje impregnado em cada esquina e cada montanha do Perú e no olhar do homem andino. Cusco foi a capital do império incaico, cidade sagrada pois ali residia o imperador dos” Filhos do Sol” e era ali então ali que aconteciam as maiores homenagens a Inti e sua companheira Killa, a lua.
As festividades do solstício duravam quase uma semana. Principiava no dia 20 quando o imperador, sua família e a nobreza iniciavam uma purificação pessoal abstendo-se de sexo, e iniciando um jejum preparatório de 2 dias para elevarem o seu espírito. Lembremos que os imperadores incas sentiam-se responsáveis por seu povo, consideravam-se não só um descendente direto do deus Inti, mas também seu representante na terra e ele, o imperador, era quem intermediava a energia solar que abençoava seus súditos e suas colheitas.
Durante o dia 21, ele proibia o acendimento de qualquer fogo em Cusco, simbolizando o momento de recolhimento, de supremo repouso e obscuridade para o mundo, como se fosse o final de um ciclo. Só depois ao amanhecer do dia 22 podiam ser novamente acesos sinalizando uma nova dispensação de luz e renovação de vida .Na data de 21, toda a população de Cusco era convidada a se retirar, só permanecendo ali o imperador , sua família e a nobreza a se prepararem espiritualmente.Na noite do solstício o imperador fazia uma gesto de humildade. Retirava a sua coroa e só a poria após estar purificado. Ali ele tornava-se apenas um filho do sol. Passava esta noite acordado em orações . Pelo dia 22, lhe era entregue uma lhama branca. À ela ele confiava uma mensagem aonde explicava as necessidades mais prementes do seu povo. Em seguida a sacrificava para que a alma do animalzinho levasse essa mensagem ao deus solar Inti. Um sacerdote adivinho era também chamado para ler as entranhas da lhama e fazer os vaticínios para o ano que se iniciava.
Enquanto isso acontecia, no grande templo de Aqlla-Wasi, a Casa das Escolhidas, as Mamas Kunas e as Aqllas, Virgens do Sol,preparavam bebidas ( Chicha) e os Sankhu que era uma espécie de pão de milho que seriam depois distribuídos à população para que, num repartimento, todos comungassem com as riquezas da mãe terra.
Dia 23 a população era chamada de volta para enfeitar as ruas de Cusco e todo o trajeto que o imperador faria, com flores. O auge do festival acontecia quando este, com toda a pompa de um representante da divindade solar na terra, passava pelas ruas para fazer um trajeto até o forte de Saqsaywaman.
Ainda em Cusco, a comitiva imperial parava em frente à Praça de Armas para a cerimônia da bebida Chicha. Num jarro de ouro era oferecido ao imperador a Chicha .Após bebê-la, ele fazia no idioma quechua esta saudação ao sol: “ Oh! Deus pai sol, te brindo com esta chicha preparada pelas Aqllas. Chicha espumosa feita com o dourado milho , muito doce, que desde aqui chegue como louvação a ti, para que sempre aqueças com muita força a terra, a Pachamama, e a faças frutificar para que as colheitas do império sejam sempre boas, afim de evitar a fome dos meus súditos.”
Humildemente, depois o imperador fazia a libação: Devolvia o restante que ficou no jarro à mãe terra, para mostrar-lhe o que os homens podiam fazer com as riquezas que a Pachamama lhe dava.
Seguindo contritamente o rito, a comitiva ia depois para o templo de Colcampata ( templo cujas paredes eram forradas de ouro e foi destruído pelos espanhóis, seu ouro foi levado e em seu lugar construiu-se a atual igreja de São Domingos.) Depois, dava-se início a um ritual chamado Musoccina com o qual se acendia oficialmente a pira do fogo sagrado. Este fogo deveria ficar aceso até a próxima festa de solstício. Nele, os sacerdotes seguravam um disco côncavo com um material inflamavel faziam diversos movimentos como uma dança mágica, pedindo que o deus sol mandasse seus raios. A luz solar entrando no disco acabava por acendê-lo com fogo. Era então acesa a pira.
Ali, num altar de holocausto frente à pira, eram sacrificadas lhamas agora negras para que servissem de intermediários nos pedidos particulares do povo de Cusco. A carne das lhamas sacrificadas seriam assadas e distribuídas à população. A pira era depois levada ao templo e ali cuidada por devotos que a conservariam acesa até o próximo ano.
Celebração do Inti Raymi no forte de Saqsaywaman.
Desde o dia 24 na esplanada de Saqsaywaman súditos do imperador vindo de todas as partes do Tuantisuyo , império dos quatro lados, o esperavam vestidos com trajes feitas com lã de Vicunha e muitos adornos de prata, um metal muito abundante naquela época no Perú. Muitas tribos vestindo-se de palhas. Ali também em homenagem ao representante de Inti, cantavam e dançavam em grande alegria.
Mais de 500 anos se passaram desde que Pizarro fez o trágico arrasamento da cultura inca. Nela, viviam perto de 15 milhões de pessoas e segundo os relatos dos cronistas espanhóis nenhum homem passava fome ou estava privado de trabalho. Hoje, está acontecendo ali um resgate desta cultura. Tenta-se chegar à maneira religiosa deste povo pensar. Muitos nativos, retirados nas montanhas, querem voltar as suas raízes. A festa do solstício chamado Inti Raymi que significa festa do sol, está sendo muito celebrada Também o símbolo inca do sol criança que nasce neste dia se popularizou .