Inicia-se o ano de 2018. Estou num jardim onde vicejam orquídeas
variadas: brancas, roxas, amarelas. Sinto-me grata por ser de uma região do
planeta onde a natureza é tão privilegiada. Nela vivem muitas e muitas flores, coloridas,
perfumadas. Sou tão mal acostumada a
ver tanta beleza, sou tão saciada por ela, que até me esqueço de povos que
vivendo em meio a estepes eternamente nevadas, onde o sol pouco surge, fazem de
qualquer pequeno musgo verde, qualquer água lúcida de um riacho eventualmente
aparecidos, motivo de devoções e ritos.
Penso neles agora admirada de que alguém
viva sem nunca ter tocado os dedos nas pétalas macias de uma flor.
Quando me absorvo na natureza, vejo que as
flores têm, assim como nós, destinos e tarefas variadas a cumprir. Umas são
mensageiras de amores apaixonados, outras de congratulações por vitórias
obtidas, outras pretendem levar um pouco de vida aos que já faleceram, outras
simplesmente alegram festividades com suas cores.
Porém, não são apenas sua beleza e
coloração que nos fascinam. Seu maior chamamento a nós é o perfume que exalam.
Quimicamente nos aproveitamos dos aromas que contêm. Perfumamos com ele nosso
corpo. Este é o maior intercâmbio físico que conseguimos entre nós e as flores.
Mas, os momentos de meditações em que nos fixamos em sua beleza é o intercâmbio
que realmente nos deixa deslumbrados.
Assim como nós, as flores também mudam sua
aparência conforme o clima aonde se desenvolve. As Tulipas podem percorrer mundo,
exportadas por grandes empresas, mas será sempre na Holanda, com seu clima
ameno, que estarão mais viçosas. Assim acontece com as flores de Cerejeiras
japonesas; assim também com o Cravo da Ilha da Madeira; as Camélias de Sintra;
a flor de Ceiba favorecida pelo clima úmido da Argentina, e a Lavanda cheirosa
da região da Provença que deu a cidade de Grasse a fama de uma das maiores
produtoras de perfume da França.
Quando surge a primavera, da varanda de
minha casa, vejo uma sequência de Ipês florescendo em colorações roxas, mas sei
que em outros pontos de meu país os Ipês dourados estão dando uma verdadeira
performance de beleza.
O sol e seu esplendor é o grande
responsável pelas mudanças contínuas de algumas flores. Reagem a ele, se
abrindo e se fechando conforme a luz que lhes manda. Assim, o nosso popular
“Onze Horas” está no máximo de sua abertura quando o sol está forte. Alguns
“Mimo de Vênus” se fecham como um charuto quando o sol desaparece.
Este contato entre sol e flores fez surgir
na Antiguidade do imaginoso povo grego este belo mito do Girassol: Clítia era a
ninfa de um bosque, apaixonada pelo deus solar Apolo. Todas as manhãs ia a uma
montanha esperar quando Apolo, o sol, aparecia nos céus em seu carro de fogo,
emitindo luz dourada para todos os lados. A cabecinha de Clítia acompanhava,
enamorada, o movimento que o sol fazia desde seu surgimento no oriente até o
seu ocaso no ocidente. Tanto fez isto, que seu corpo se enraizou no solo e ela
foi tomando a cor do sol. Clítia tornou-se por fim um Girassol e hoje todos os
seus herdeiros, todos os Girassóis do mundo acompanham o movimento solar.
Giram, giram, seguindo o girar do sol.
Existe uma flor, eu sei talvez a mais bela
delas, para representar os quatro elementos da natureza: terra, água, ar e
fogo: o Lótus. Nasce na profundidade da terra, levanta uma haste na água,
levanta outra no ar e finamente abre sua beleza florida ao fogo solar.
As religiões não são isentas da magia das
flores. Escolhem-nas como princípios divinos de seus deuses, sábios e santos.
Quem não sabe que as rosas brancas são o símbolo da mãe do Cristo? Quem não
conhece a lenda das rosas vermelhas de santa Terezinha? Quem desconhece o
próprio Lótus como a flor sagrada do Budismo? Já não viu o sábio Buda sentado
sobre um Lótus de mil pétalas, isto significando que o Buda já tem o domínio
sobre o seu sétimo chacra, o Sahashara, o maior centro de poder que um ser pode
alcançar? A flor de Lótus é, enfim, dentro do Budismo a forma como os seres
iluminados se manifestam.
Veio-me à lembrança agora o jardim de uma
casa que habitei. Ele contava com uma pequenina fonte onde boiavam minúsculas
flores. Eram, sem dúvida, parentes em espécie da maior flor aquática brasileira;
a Vitória Régia. É de nossa Amazônia que nos vem esta sua linda lenda: As
índias de uma tribo eram apaixonadas pela beleza da lua e acontecia que a lua atraia
muitas delas e as levava para o céu.
Naiá era a índia mais apaixonada de todas, mas seus irmãos a advertiam
que não se envolvesse com a lua porque as jovens que subiam aos céus perdiam a
forma humana, tornavam-se uma estrela e nunca mais voltavam ao seu lar na
aldeia. Mas Naiá ficou tão triste de não atender os chamados da lua que passou
a definhar, pois não comia mais. Uma noite de grande luar a lua estava
refletida num lago. Naiá, imaginando que ela viera busca-la se atirou no lago
para encontra-la e sem saber nadar, afogou-se.
Muito comovida pelo que acontecera à Naiá,
então, a lua que é uma deusa, resolveu transforma-la numa estrela da água: A
linda flor Vitória Régia. Hoje, suas flores brancas, muito perfumadas, se abrem
só ao anoitecer, quando a lua aparece.
No jardim onde estou anoitece. Uma sombra
de escuridão vai descendo sobre ele. Sua natureza vai repousar da ofuscante luz
solar. Eu também entrarei para a sombra de um repouso, serena e grata pela
generosidade das flores. Deram-me nesta divagação nada menos que o incomparável
fascínio de sua beleza.
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