Nós,
mulheres, reveladas nos mitos das deusas.
Os gregos arcaicos durantes séculos de
matriarcado dedicaram-se ao culto da Deusa, que unificava em si inúmeras
qualidades. Ela era sua religião. No entanto, quando foram invadidos por um
povo guerreiro,viram introduzidos em suas regiões o culto a Zeus e seu
patriarcado.
A deusa rendeu-se a Zeus. E, o seu antigo
poder, a bem de ser preservado, foi desmembrado na devoção à várias deusas.
Cada uma delas uma facção, uma virtude daquela fonte de energia feminina original,
cultuada.
Hoje, em nossa modernidade, acreditamos que
nós, mulheres, carregamos em nosso inconsciente estas forças energéticas
arcaicas. Psicólogos preferem chama-las de “arquétipos femininos”. Vemos pós
Junguianos nos atribuindo e nos trabalhando segundo características de seis
principais deusas: Hera, Demeter, Afrodite, Artemis, Atená e Perséfone.
Essas divagações que se seguem abordarão
alguns destes arquétipos nos relacionando com os mitos femininos destas deusas.
Estarei as pondo aqui como pertencentes a dois grupos: Aquelas mais vulneráveis,
cujo viver está conectado a relacionamentos com companheiros, como Demeter, Hera,
Afrodite, e Perséfone, e as deusas virgens mais independentes como Atená e
Artemis.
Relacionando-nos às deusas, nos chamarei de
mulher/Artemis, ou mulher/ Afrodite etc, etc..
ATENÁ,
deusa da Justiça, comporta-se com firmeza e impulsividade perante os
desrespeitos humanos, mas apesar de sua beleza severa, tem o coração aberto a
depois também perdoar. Senão, vejamos um mito seu:
O jovem Tirésias ouve numa mata o barulho
de uma cascata e se aproxima dela. Porém, é lá que Atená costuma banhar-se.
Deslumbrado pela nudez da deusa permanece ali parado, com seus olhos insistindo
em contempla-la. Atená se encoleriza e, como castigo, o torna imediatamente
cego. Porém Cárilo, mãe de Tirésias, amargurada pela infelicidade do filho, lamenta-se
à Atená. Esta apieda-se e sente que fora demasiado rígida. Resolve então
conceder a Tirésias a visão interna, lhe dando o dom de adivinhar. Fez de
Tirésias o mais famoso adivinho da Grécia.
Será apenas Tirésias que já então velho e cego,
mas sempre capaz de adivinhar passado e futuro, quem desvendará na tragédia
mitológica de Édipo, o mistério do assassinato do rei Laio. Dirá a Édipo: Matastes
vosso próprio pai! Sois o criminoso
matador que tanto procurais!
Os pensamentos de uma mulher/Atená,
influenciada pela deusa, que é também a da Sabedoria, sempre ultrapassará as
fronteiras do lar, porque ela percebe e tem sensibilidade voltada ao mundo
social que a rodeia. Tem sonhos de reformar instituições e lutar pelas
condições de minorias injustiçadas. A política ou pesquisas científicas que
possam melhorar a saúde e diminuir a ignorância de populações, geralmente a
atraem como campos de ação.
Quer sempre a verdade, uma visão que
desnude o que está por trás dos problemas sociais. Por isso, em representações
mitológicas, Atená aparece carregando seu símbolo: Uma coruja. Animal que
caracteriza a reflexão que domina as trevas, tão perspicaz que enxerga no
escuro.
A sabedoria de Atená- nos revela o mito-
supera qualquer presunção competitiva, vinda de conhecimentos. É pura. É
humilde. Está a salvo de concorrências.
Este mito a seguir nos conta que a deusa Atená irritava-se quando via a
vaidade intelectual ou artística tomar conta de alguém, levar rivalidade às
pessoas.
Aracne era uma exímia tecelã. Porém, tão
presunçosa ficou por tantos elogios recebidos que resolveu um dia desafiar a
deusa Atená para ver qual das duas era a mais habilidosa. Ora, Atená sempre
fora conhecida no céu do Olimpo, como aquela tecelã que ornava as paredes de
seus palácios com os mais belos bordados que tramava sobre tecidos e telas, com
fios de prata e ouro. Não gostou nada daquela falta de
modéstia exibida por Aracne que, enquanto tecia, declarava-se a única
e insuperável bordadeira. Tentou fazê-la desistir daquela rivalidade disfarçando-se
numa velha senhora de cabelos brancos que aconselhou-a a não vangloriar-se tanto, tentou fazê-la ver
que era a suprema vaidade mortal quererem se igualar a imortais. Contudo,
Aracne não aceitou tais conselhos. Ao contrário, passou a desafiar mais a deusa. Pôs em seus bordados episódios que representavam os defeitos dos deuses
olímpicos, bem sabendo que Atená os
enaltecia em suas telas, mostrando nelas
tudo o que os deuses faziam pela evolução dos homens.
Veio então da deusa justiceira a lição:
Transformou Aracne numa aranha,
condenou-a a trabalhar pendurada nas alturas. É de lá que tecerá suas teias delicadas que os ventos
podem destruir com a maior facilidade. Mostrou a Aracne quão frágeis são as
criações humanas.
Assim nasceram as aranhas que hoje vemos
tecendo suspensas.
Como os gregos viam a sábia Atená como
fonte de inspirações artísticas e culturais, contavam com um magnífico festival em sua honra. Nele, eram promovidas
apresentações de poesias, músicas, cantos e danças. Aos vencedores eram dadas ânforas cheias de azeite de
oliveiras, a planta sagrada de Atená.
Em geral, as mulheres/Atená gostarão de
reunir amigos em saraus caseiros onde aqueles podem externar seus talentos
artísticos.
Para sabermos se pessoalmente retemos em
nós as energias de Afrodite veremos o seu mito:
Quando Páris, o príncipe troiano, foi
chamado a arbitrar a disputa entre as
três deusas Hera,Atená e Afrodite quando seria dada a apenas uma delas uma maçã
de ouro, com os dizeres “a mais bela”, sua decisão causou a guerra de Troia. Na
ocasião, as três deusas, cada uma se achando com direito à maçã, ofereceu a
Páris uma recompensa, caso fosse a escolhida.
Hera disse a Páris: - A ti darei uma esposa fiel, que te
acompanhará em todos os teus atos criativos, administrativos,que será para ti a
companheira que te ajudará em todos os problemas que surgirem no reino de teu
pai que por ventura vieres a herdar.
Atená lhe promete: - farei de ti um
guerreiro justo, e garantindo-te a vitória em todas tuas batalhas, te tornarei
o mais renomado herói que Troia já conheceu.
Porém,o que lhe prometeu Afrodite
pareceu-lhe a recompensa mais tentadora: - Darei a ti, Páris, a mulher
mais cativante de toda a Grécia.
Paris fez de Afrodite a vencedora,deu a ela
a maçã de ouro. Qual a razão de tê-la privilegiado
assim?
Porque imaginou na mulher que lhe seria dada ,os mesmos atributos que via em Afrodite. Embora as três deusas
fossem todas belas , ele via Afrodite mais faceira no vestir-se e
principalmente com uma forte e
inigualável sensualidade, característica a qual poucos homens resistiam. Mostrava
isso em seu jeito de sorrir,de olhá-lo e de caminhar.
Na verdade,para Afrodite, não importava
muito que a mulher que estava pensando em dar-lhe já fosse casada com o rei de Esparta. Porque, para Afrodite, nenhum
ato sexual levava a ela própria qualquer resquício de culpa. Até quando
eventualmente traia seu companheiro,o
fazia sem remorsos, pois resistir a sua forte tendência sexual lhe era quase
impossível. Os instintos, o sexo, lhe era realmente vital. Assim, havia traído
com o deus Marte, o seu marido ,o deus Vulcano, o maior artista do Olimpo ,que
a cobria de joias que ele mesmo forjava ,para atender o grande pendor de
Afrodite por requintes.
Hoje, em nossa modernidade ,este seu gosto
por requintes aparece naquelas mulheres
que se envolvem com artes joalheiras, e
modas ,sem que necessariamente assimilem dela também seu irreprimível instinto.
A
inconstância era outra característica de Afrodite. O mito nos conta:
Helena ,a mulher mais cativante da
Grécia,influenciada que foi por Afrodite, abandonara seu
marido
para seguir Páris à Troia. Porém, sua paixão por ele durou apenas enquanto a
guerra se desenrolava, pois, logo que esta acabou, voltou novamente aos braços
de seu marido Menelau. E, este, perdoou-a?
Certamente. Quem não perdoaria e amaria sempre, alguém com tantas
qualidades como uma Afrodite? Convenhamos que não são apenas tendências sensuais
que determinam alguém que seja à semelhança desta deusa. O próprio desejo por
requintes das mulheres/Afrodite a fazem tornar o seu lar aconchegante, cheio de
flores e adornos. Quererá sempre levar beleza aos locais onde vive. Além disso,
ligada à figura masculina como é,
dedica-se com carinho a preparar saborosos alimentos com que mimará o companheiro. Geralmente as
mulheres/Afrodite aprimoram-se como ótimas cozinheiras. Contando com uma
personalidade quase dupla, maleável, lhe será também muito amiga durante
situações adversas que ele por ventura vier a sofrer. É também muito atenciosa com pessoas humildes
apesar da sua própria aparência requintada.
Aquela inconstância sexual de Afrodite a faria um dia ter um filho com os dois
sexos. Assim nos conta o mito:
Afrodite relacionou-se também com Hermes.
Ao filho que geraram juntos chamaram de Hermafrodito, fundindo assim num só
nome Hermes e Afrodite, prova de quanto era grande sua paixão no momento.
Contudo,muito prontamente cansou-se de Hermes e querendo esquecer aquele
adultério,enviou Hermafrodito para um monte aos cuidados de Ninfas. Criado como foi apenas entre mimos femininos, quando rapaz, Hermafrodito passou a recusar seu próprio sexo.
Herdara a beleza da mãe e um dia despiu-se
para banhar-se num lago. Salmácida, que
por ali passava, viu-o e foi tocada por grande paixão. Despiu-se também e
entrou nas águas.Tudo fez para tê-lo,mas Hermafrodito timidamente recusava-se. Humilhada,Salmácida
abraçou-o fortemente no intuito de jamais perdê-lo.Rogou aos deuses que os
tornassem um único corpo. E, foi assim que Hermafrodito pela segunda vez
fundido num só, ficou para sempre com dois sexos.
Aquela carência de Afrodite por encontros
amorosos por vezes a deixava vulnerável a vinganças. Assim aconteceu-segundo o mito-quando Zeus quis
castiga-la por trair seu marido Vulcano com Marte. Desejou sobretudo
humilha-la. Fez Afrodite encontrar por acaso e apaixonar-se pelo pastor
Anquises, que, embora sendo belíssimo ,era afinal apenas um humilde mortal.
Quando o encontrou, por magia de Zeus, a
face de Afrodite foi transformada no de uma jovem também linda ,mas
absolutamente diversa da sua. Sem reconhecer a deusa, mas tocado pela
beleza daquela falsa jovem, Anquises lhe fez a proposta de dividir o
leito com ele aquela noite. Afrodite, que não era imune a presença de um homem
tão belo e atiçada por sua irreprimível sensualidade , aceitou. Após muitos
momentos de prazer ,quando acordaram pela manhã, também por magias de Zeus, lá
estava novamente Afrodite revelando sua face
radiosa.
Quando Anquises a olhou, reconheceu-a e transtornou-se,
amargurado. A pior coisa que lhe poderia ter acontecido é estar apaixonado por
uma deusa. Aquele era um relacionamento sem esperanças e futuro pois enquanto
ele iria envelhecer pouco a pouco, encaminhando-se para a inevitável
decrepitude e morte, ela ,como imortal que era, continuaria eternamente
deslumbrante como ele agora a via. Além disso, Anquises tomou-se de pânico,
temeroso de que recebesse uma punição por sua ousadia.
Afrodite serenou-o. Disse-lhe que o
perdoaria sob uma condição: Que
jamais contasse para alguém sobre aquela sua noite de amor. Na
verdade, Afrodite nunca sentira tanta vergonha e humilhação. Afinal, ela, uma
mulher que já fora desejada pelos mais afamados deuses do Olimpo, havia se
entregado a um simples mortal.
Em geral, Afrodite ,tão sedutora, dominava um
relacionamento, mas eventualmente sua predileção por refinamentos a jogava aos
braços de homens poderosos e vis que a usavam, expondo-a à situações constrangedoras.
Também as mulheres /Afrodite que não têm a
firmeza das deusas virgens, independentes do homem como Artemis e Atená, quando
passam por tais decepções,sofrem e
eventualmente amadurecem e evoluem muito
espiritualmente.
Já a
mulher/HERA tende a administrar com rigor e disciplina tanto um lar ou em
âmbito maior até um país. Para o grego
antigo, Hera representava a administração cotidiana do Olimpo, aquela que
garantia que os adornos magníficos forjados por Vulcano estivessem limpos e
lustrosos ; que as telas bordadas por Atená nunca faltassem para adornar
paredes; que Hebe, a deusa da juventude
,sempre desse aos deuses a ambrosia ,o néctar que lhes conservaria a
imortalidade. Com autoridade, Hera sempre
mantinha a união dos deuses em sua convivência diária.
Os artistas da Renascença a retratariam
depois como uma mulher bela, de corpo escultural, destacando nela uma aparência
de dignidade e severidade. Porém, em que pesasse o seu rigor, Hera não era
desligada, nem tão independente em suas
emoções de uma presença masculina como o eram as deusas Atená e Artemis. Mesmo naquela
relação amorosa como a que tinha com o seu namorador marido Zeus, ao ser
traída, sempre procurava trazê-lo de volta, chamando-o a amá-la novamente, mas também às responsabilidades do lar. Não
era ligada ao aspecto amor instinto insaciável, tal como o sentia Afrodite, mas
dava uma fidelidade constante ao companheiro ,vendo o amor como um compromisso
assumido.
Hera não suportava as mulheres que o
quebravam. Deusa ciente de que devia exemplificar a mulher como mantenedora das
tradições familiares, achava que o primeiro sinal da decadência de uma
sociedade era a decadência da mulher, por isso, usava de rigor com aquelas que infringiam suas leis
morais. Vejamos o que nos conta o mito:
Eco era uma ninfa que testemunhava e sabia
dos namoros de Zeus com outra ninfa do bosque onde vivia. Um dia, Hera lá
apareceu em busca de seu marido. Eco, que tinha muita facilidade em expressar-se
e era bastante tagarela, tentou entreter Hera numa longa conversa envolvendo-a para dar tempo a que Zeus
fugisse do bosque ,escapulindo-se de um flagrante. Hera porém,
percebendo sua intenção, resolveu penalizar aquela menina tão falante que
queria enganá-la.Deu-lhe logo um defeito na fala que a fazia repetir sempre a
última palavra que alguém dizia.
Eco ,humilhada, pois todos
passaram a debocha-la, foi
esconder-se em cavernas e locais murados , onde ninguém a visse. Não
pode mais viver no espaço aberto , amplo do bosque. Por esta razão ainda hoje ,sempre
que adentrarmos um local murado que nos
oponha uma parede, e dissermos algo, o som de nossa voz voltará a nós, pois lá
estará Eco a nos repetir.
Hera não concordava com todos aqueles que
davam aos namoros de Zeus esta
finalidade: Multiplicar o números de mortais agraciados com atributos maravilhosos, semideuses e semideusas gerados entre Zeus e as filhas
dos homens. Não os aceitava. Com o mesmo rigor que caracteriza todas as
mulheres/Hera, via estes frutos dos namoros de
seu marido, apenas como uma evidência de sua grande licenciosidade.
Perseguia-os para que sumissem. Assim fez com o possante Hércules -segundo o
mito:
Hércules escapou de sua fúria quando bebê,
mas, ao fazer-se adulto, submeteu-se a cumprir as “ 12 Tarefas” que o rei
Eristeu lhe impôs para que se redimisse do crime de infanticídio que fizera quando Hera provocara nele, com magias,
acessos de loucura.
Hera imaginava que tais tarefas ,tão terrivelmente
difíceis, o faria senão morrer, pelo menos ser humilhado por um fracasso,
vencido em sua tão admirada fortaleza.
Contudo, como toda a mulher/ Hera , ela
podia também mostrar-se por vezes generosa. Assim o mito nos conta que, ao
reconhecer o valor de Hércules, seus incríveis esforços para cumpri-las, o compensou
largamente. Recebeu no Olimpo , sua própria
moradia,aquele filho espúrio de
seu marido; deu-lhe como esposa a encantadora Hebe,e ainda mais: Agraciou-o com
o nome de Héracles, que significa “A gloria de Hera”.
Também Dionísio ,outro filho bastardo de
Zeus, foi desterrado por Hera para as
distantes terras da Arábia. Porém foi lá, que
encontrou uma plantinha nativa , a videira, e com ela fez o vinho que o tornou famoso,
arrastando multidões para o seu séquito.
Hera, tão rigorosa, foi justa. Quando percebeu que o vinho não era apenas
aquela bebida que propiciava a orgia dos
bacanais, mas que sorvida numa medida
certa , controlada, trazia inspirações aos poetas,levava os homens a êxtases
espirituais ,podendo ser usada em cultos para homenagear os deuses, foi
novamente generosa: Colocou também Dionísio entre os deuses para torná-lo o
grande e insubstituível auxiliar de Demeter em suas lidas agrárias.
Muito severa com suas rivais, amava contudo,
intensamente seu marido, como só as mulheres/Hera, fortes como ela, sabem amar
e, invariavelmente, o perdoava. Zeus voltava sempre a seus braços, ficava desorientado quando ela eventualmente o
deixava ,pois via nela o único aconchego amado ,seguro e fiel.
ARTEMIS é uma deusa virgem. É arisca e temerosa em matéria de
amor. Teme sobretudo as dores da maternidade. Isto é justificado no mito de sua
mãe Lete:
Esta, amante de Zeus, estava para parir os
gêmeos Apolo e Artemis, filhos dele. Porém Hera, esposa de Zeus,a fez viver um
grande sofrimento. Pediu a deusa dos partos Ilítia ,que foi parteira de todos
os deuses do Olimpo, para que cruzasse as pernas direita sobre a esquerda.
Enquanto elas estiveram assim cruzadas, o caminho dos nascimentos estavam
fechados. Isso durou nove dias e nove
noites de dores dilacerantes para Lete.
Horrorizada pelos sofrimentos que sua mãe
passara no parto, Artemis jurou nunca se relacionar com homens para jamais
ter filhos. No entanto, tornou-se a grande protetora das mulheres grávidas. As jovens esposas
consagravam a ela inúmeros cultos porque contavam com sua proteção na
hora do parto. Artemis iria energizar e guiar , desde os velhos tempos
mitológicos gregos , as mãos das velhas parteiras,
que durante séculos e séculos
conseguiram chegar até a modernidade propiciando nascimentos.
Artemis pediu a seu pai Zeus que lhe
desse arcos e flechas e ao deus Pan uma
matilha de cães e recolheu-se à natureza selvagem. Solitária, e independente
dos homens, foi dedicar-se à caça.
Tornou-se aventureira , atlética, prática,
amante da vida ao ar livre, protetora dos animais, como serão depois todas as
mulheres/Artemis que recebem suas energias. Virá dela o pensamento daquelas que
se atraem pela Ecologia, querem preservar o meio ambiente .
Sua função como caçadora e ao mesmo tempo
amiga dos animais nos parece
contraditória. Porém, Artemis representa a caça feita unicamente pela
sobrevivência dos homens, jamais a caça predatória , protegia os animais em sua
época de reprodução. Perseguia todos aqueles que maltratavam as fêmeas prenhas, em
gestação. Caçava garantindo a continuidade de vida das espécies animais.
Enquanto seu gêmeo Apolo é o deus
relacionado ao sol, ela é a deusa da lua. Como tal, segue as suas fases mutantes tanto estará ligada à Selene ou à Hécate ,ser ora propícia ao bem
ora a ser a feroz destruidora.
A
mulher /Artemis sofre esta inconstância não em sua vida amorosa mas em seu
humor. No templo de Éfeso, Artemis
,ligada à Selene, tinha seu culto estendido aos animais que mais amava: o cervo, o javali, o touro, a
vaca, e o cão e também às árvores de nogueira e de cedro.
Quando ligada à Hécate, Artemis é a
guerreira mais eficiente da Grécia,
senhora de poderes destruidores. Consagrou-se como tal, quando lutou bravamente
ao lado de Zeus, na primitiva guerra da Gigantomaquia, ocasião em que seu pai
tornou-se o todo poderoso senhor do Olimpo, após vencer os primeiros homens
que- segundo os mitos gregos- habitaram a terra: os Titans gigantes. Hécate , quando ligada à lua nova, é
a senhora da magia ,bruxaria, sortilégios e Amuletos . Influencia as mulheres que se dedicam à feitiçaria
quando estão voltadas à finalidades
maléficas.
Apesar da resistência a ter parceiros,
amores frustrados podem acontecer à mulheres/ Artemis, nos diz a
mitologia: A única vez que Artemis
apaixonou-se não foi bem sucedida. Quando viu o caçador Orion de porte forte e
belo, aquela que queria ser a eterna virgem, logo apaixonou-se.
Um dia porém, Orion foi banhar-se no mar e se distanciou muito nele, até que
sua figura tornou-se apenas uma
minúscula mancha na águas longínquas. Ali, chegaram à praia Apolo e sua irmã
Artemis. Enxergaram a mancha no mar e Apolo, que é o deus solar com olhar
abrangente, soube logo que se tratava do caçador Orion. Porém, preocupado em zelar pela castidade de Artemis, nada lhe
disse e quis aproveitar o momento para elimina-lo. Desafiou-a então ,em sua
grande habilidade de exímia caçadora, propondo-lhe acertar uma flecha naquela
distante mancha. Sem imaginar que iria ferir o próprio amado, com toda a sua
capacidade de arremessar flechas, Artemis abre seu arco e lança a primeira.
Estarrecida, viu chegar à praia o corpo morto de Orion
Desconsolada ,vai a Zeus e pede-lhe que
torne o amado numa das mais belas constelações que enfeitaria o céu. Assim
,estará lá sempre a brilhar em noites estreladas, sobre as nossas cabeças ,Orion,
a magnífica constelação. Tal mito quis dizer as mulheres/Artemis que precisam
sempre observar melhor o alvo, a meta que desejam atingir.
Quanto à PERSÉFONE, seu primitivo nome era
Core. Solitária, inadaptada ao mundo objetivo, vivia ensimesmada a pensar e
sentir-se atraída pelos mistérios da vida e da
morte. Saber as razões do destino e das dores humanas era tudo o que
mais lhe importava. Porém, tais
mistérios lhe pareciam tão imensos e indevassáveis que ao mesmo tempo os temia.
Então gostava de pensa-los abrigada no aconchego do regaço de sua mãe Demeter.
Era imaginar o desconhecido, protegida.
Quem vai fazer Core entrar na realidade de
seus sonhos e atrações pelo oculto –nos
diz o mito- será Afrodite. Esta, percebendo a solidão em que vivia o soturno senhor do mundo dos mortos
Hades e como não suportasse ver alguém
solitário, pediu a seu filho Eros que o flechasse com sua seta do amor. E,
então aconteceu de ser justamente a tímida Core a primeira jovem a ser
avistada por Hades após ter sido
flechado. Logo apaixonou-se e a quer. Foi pedi-la à Demeter. Esta , maternal protetora que era, sabendo para que abismos
sombrios o deus da morte a levaria, prontamente
recusou dar-lhe Core.
Enlouquecido de paixão, Hades só tem um
recurso: Rouba-la à força. Foi o que fez. De nada adiantaram os gritos angustiados de Core
chamando sua mãe, quando se viu arrebatada em seus poderosos braços. Demeter,
por sua vez, iria viver seu pior período de vida: o da ” Mater Dolorosa”.
Separada de sua meiga e insegura filha,
vagaria em prantos pelos campos à sua procura.Tira a atenção de seus trabalhos com o solo, este se resseca e deixa de frutificar. Sem a
força da fertilidade de Demeter a terra
recusa-se a dar alimento aos homens. Tal
situação iria durar até que Zeus, preocupado
com a fome que já grassava no mundo, forçou Hades a um
acordo. Modificação benfazeja para a nova vida de Core: Ela passará parte do ano com Hades no mundo
dos mortos e parte do ano com sua mãe Demeter na superfície da terra. Esses períodos de seu retorno, serão aqueles
quando a deusa mãe terra ficará jubilosa, o solo ressecado umedece e fertiliza. A natureza toda manifesta a alegria de
Demeter dando novamente aos homens
alimentos.
No entanto, na primeira vez em que Core
retorna à superfície, Hades lhe dará para comer antes de deixar o Tártaro, um
gomo de romã. Este fruto que tem o poder de unir casais, de firmar matrimônios, será para Hades a garantia de que ela retornará sempre aos seus braços conforme o acordo com
Zeus.
Na verdade, nem tanto precisaria se preocupar
Hades, pois algum tempo depois, tal
como nos revela o mito de Orfeus, quando
este cantor sublime desce ao Tártaro, lá estará Core recebendo-o ao lado de seu
marido, como uma mulher já madura,
feliz, como rainha coroada do reino dos mortos, do mundo oculto. E, terá, além
disso, já recebido outro nome: Perséfone.
Por estes mitos, a vida de uma
mulher/Perséfone poderá ser dividida em
dois períodos: Um em que era
alguém dependente, introvertida, que
desejava o conhecimento das coisas
veladas, ocultas da existência, mas sem dar-se conta de não estar chegando a
sua profundidade; e o segundo em que,
após sofrimentos e dificuldades, vai devassando os mistérios sonhados,
aprofundando-se neles, equilibrando-se até tornar-se uma mulher sábia, segura e
realizada. No mito. só quando Perséfone deixou de ser Core, compreendeu que ela era como o grão, que, durante as sombrias estações do outono e inverno, entrava para as profundezas da terra para depois
voltar pleno de energias, e manifestar-se
no mundo tal como uma florescente primavera. Ela, Perséfone, não
somente pensara mas também
vivenciara aqueles mistérios que buscara.
Tais mulheres/Perséfone nós as vemos representadas nas cartomantes
curiosas, nas bruxas medievais sofredoras queimadas, mas também em poetisas
inspiradas, que tentam pôr em versos as belezas do ser , do destino e da vida e
ainda nas grandes espiritualistas que
enriqueceram de ideias profundas os século dezenove e vinte.
DEMETER, a mãe terra. Na Antiguidade, as mulheres tinham dupla
função: Cuidar das crianças no lar e
manter a terra fertilizada, enquanto o homem saía para a caça e a pesca.
A mulher/Demeter trás em si as energias
deste tempo. È mulher mãe, sobretudo. Sua dedicação principal são seus filhos.
É neles que realmente se realiza. A gravidez é, para ela um tempo de
embevecimento único de comunicar-se diretamente com os mistérios da concepção.
Vê depois o filho que saiu de seu ventre como a terra que vai semear, arar,
regar, proteger do sol, colher frutos. É a mãe educadora de ensinamentos
básicos. Não importa que grau de instrução tenha, a ela cabe transformar os
filhos como fazia com a terra; de terrenos virgens, áridos , duros em um pó macio que pode receber e agasalhar o
grão, as sementes que lhe lançar.
Como deusa das colheitas e da fertilidade
do solo, Demeter é a grande protetora das mulheres agricultoras e de todas
aquelas que gostam de por suas mãos em contato com a terra. É profundamente
intuitiva e sensitiva,( como o são todas as mulheres/Demeter). O mito nos conta
que ouviu os gemidos dolorosos que a árvore do seu carvalho mais amado e
imponente emitiu, quando Erisicton abateu nele o seu machado para transforma-la
em mobília; ouviu também de uma distância incalculável os gritos de sua filha
Perséfone quando foi sequestrada pelo sombrio deus Hades.
Sua
energia materna era tanta que se estendia a todos que eventualmente encontrasse
em seu caminho. Uma das versões do mito de Triptólemo nos conta :
Na ocasião em que Demeter procurava
desesperada por sua filha, tão lastimoso era o seu estado que ninguém mais a
reconhecia . Havia se transformado numa velha senhora alquebrada.
Foi assim que Celeus e sua filha a
encontraram, chorando, sentada em uma pedra. Penalizados, a levaram à sua casa.
Lá, Demeter foi recebida com muito carinho e lá conheceu Triptolemo, o filho
único de Celeus, uma criança adoentada. Com seu grande pendor maternal, o
estreitou em seu colo e com suas carícias e o caldo de papoulas misturado a
leite que lhe preparou, a criança sarou-se.
Demeter, após identificar-se, agradecida à
família pela hospitalidade, prometeu fazer daquela criança um homem útil e
famoso .
Quando o acordo entre Zeus e Hades aconteceu, lhe devolvendo periodicamente sua
filha, tornando Demeter de novo feliz, ela novamente encontrou Triptólemo já
então adolescente. Viu nele a coragem de sair mundo afora. Transmitiu-lhe então
todos os ensinamentos relativos ao solo. Ensinou-lhe a arte de semear, debulhar
o trigo, armazená-lo, moer os grãos e transforma-los no alimento principal do
homem: o pão.
Saiu então Triptólemo, percorrendo as
províncias gregas, orgulhoso pela missão lhe confiada pela deusa. Tornou muitos
homens nômades famintos em camponeses fartos. E, realmente ficou famoso quando
descobriu para a deusa o arado.
Demeter mostrou ainda sua grande generosidade
materna quando o rapaz morreu. Deu a Triptólemo um carro alado e fez dele o semeador celeste. Anualmente, em tempos de
semeadura, ele surge no céu e lá, de seu carro alado, despeja uma chuva de sementes e grãos que fecundam o
solo da terra.
Importantes foram por séculos os festivos e
iniciáticos “Mistérios de Elêusis” referentes à Demeter e sua filha Perséfone.
As mulheres vinham a eles descalças para se comunicarem diretamente com a mãe terra através de seus
pés. A eles ocorriam peregrinos vindos de longe para a cidade de Eleuses
buscando iniciações. Estes, após se prepararem cumprindo vários dias de jejum,
abstinências e orações, chegavam cantando, levando cajados entrelaçados com galhos de plantas cheirosas.
Em Elêusis, iriam iniciar-se, estudando os ”Mistérios Menores“ sobre os
quais não poderiam depois falar, pois comprometiam-se com votos de silêncio. Em
um cerimonial protagonizado pelos
iniciantes, Perséfone, sempre ligada ao
ritos de Demeter, era também homenageada.
Os iniciandos teatralizavam a ida de Core
ao Tártaro. Seus temores ante as aparições das almas dos mortos; depois seu
casamento sagrado e sua posterior transformação em Perséfone, senhora e rainha
dos mortos. Tais ”Mistérios”
teatralizados queriam levar aos participantes gregos esta lição: todas suas
carências e dependências podiam ser renovadas ; todos os seus questionamentos
podiam ser respondidos. A marca principal dos” Mistérios de Elêusis” era a
ressurreição , o eterno ciclo renovado da natureza que Demeter cuidava.
A mulher/Demeter terá , tal como a deusa,
forte sentido maternal. Naturalmente que lhe sendo este sentido tão espontâneo,
ela possivelmente irá estendê-lo ao próprio companheiro. Caso encontre nele
alguém com carências de afeto materno ,terá conseguido em seu relacionamento a
troca perfeita.
Seu maior desafio será quando seus filhos
por ânsias de conhecimentos e relações
outras que o mundo externos ao lar pode
lhes dar, o deixam. Testando ali a experiência de suas ausências, a mulher/Demeter
irá imagina-los sempre frágeis,pois- segundo pensará - não estarão contando com
sua proteção. Se não levarem tal desafio à contendo, poderão repetir o mito da deusa que
por um longo período transformou-se em “Mater Dolorosa”.
Se é certo que cada um destes atributos das
deusas em seus mitos vivem intensamente no inconsciente de nós mulheres,
influenciando nossas atitudes, será certo também que hoje, quando lutamos por ter uma participação ativa em
nosso mundo e por conservar aquelas que
já alcançamos, queiramos novamente atingir cada uma de nós a inteireza da
antiga Deusa da era matriarcal.
Contudo, querer reunir tal esfacelamento
feito pelo poder patriarcal, é nos pedirmos algo de monta: Dar guarida às variadas e as vezes até oponentes vozes que, dentro de nós, tentariam se
harmonizar .
Seria
discernirmos sobre a voz da bela AFRODITE exigindo nos entregarmos à primeira
solicitação instintiva e sensual .
Seria sentir a oposição a isso , acontecendo
em nós, quando a rígida e fiel HERA nos lembrar da obediência aos princípios morais da
cultura em que estivermos inseridas.
Seria ainda colocar nossos pensamentos além
dos limites da família , tal como só ATENÁ sabia fazer, e nos voltarmos
generosamente para ver o que acontece às
pessoas e nações externas a nós; escolhermos entre ser humildes ou vaidosas
como Aracne, a aranha.
Seria também ouvirmos ARTEMIS nos chamando
a atenção para os nascituros ,para percebermos se o prazer de um ato de amor gerará um ser relegado ao
descuido e ao abandono.
Seria olhar a natureza como fazia DEMETER,
vendo nela algo sagrado, um prolongamento nosso que ,em sendo desrespeitado, causaria
nosso próprio extermínio.
Seria por fim ouvir a voz da meiga
PERSÉFONE a nos atrair para o oculto, a levantar o véu dos mistérios mais
profundos e espirituais da vida e da morte.
Ambicionar ter novamente em cada uma de nós
a plenitude, a união das variadas características destas seis deusas, como as
tinha a única e grande Deusa matriarcal, é uma idealização que poderá nos
parecer perfeita, mas que pelo momento
continua sendo apenas fantasiosa e hipotética.