Trabalho extraído do livro “Jacobina” de Elma Santana
É
o episódio mais violento da colonização alemã no Rio Grande Sul, há anos atrás
foi levado ao cinema nacional com o título de Jacobina e interpretado por
Letícia Spiller.
A palavra Mucker quer dizer “falso beato” em
alemão, e no plural quer dizer encrenqueiros. A principal família envolvida é a
de João Jorje Maurer e Jacobina Maurer. Ficaram os dois e seus seguidores tão
estigmatizados, que os sobreviventes do episódio lembram que quando eram crianças
suas mães os embalavam os amedrontando dizendo: Dorme senão os Muckers vêm te
pegar.
João e Jacobina Maurer. |
Na verdade quem iniciou o movimento foi o
carpinteiro João Jorje Maurer quando, casado há apenas dois anos, trocou a
profissão de carpinteiro pela de curandeiro, na região de Morro Ferrabraz, até
porque os colonos alemães daquela região de Sapiranga não empregavam ninguém
para fazer seus móveis e galpões, os faziam eles mesmos, então esta profissão
quase não tinha ali utilidade. Como naquela época de 1868 ainda não existiam
médicos nas colônias, ele, logo, abrindo sua casa para receituários de chás, emplastos,
ervas e unguentos, se tornou conhecido e benquisto recebendo até o título de
“doutor maravilhoso’.
No entanto, quem fez nome nos episódios
daqueles chamados pejorativamente de Muckers, tornando-se uma líder foi Jacobina,
que de início apenas o auxiliava com as receitas. Jacobina nasceu em Hamburgo
Velho. Desde criança sua saúde foi muito fraca, sofria constantes desmaios e
ficava por tempo imóvel às vezes balbuciando coisas desconexas. Com 24 anos
ainda estava solteira, feito muito raro nas mulheres de sua época. Quando sua
mãe, uma fanática religiosa, muito rígida, chamou um médico. Ele diagnosticou
sua doença como histeria e recomendou que a casassem imediatamente. Hoje, diz um
médico que escreveu sobre os Muckers e estudou os sintomas de Jacobina, que sua
doença seria diagnosticada como disritmia cerebral. Parapsicólogos que a
estudaram dizem que com ela se passavam fenômenos paranormais. Quando se casou,
morou por dois anos em São Leopoldo, e depois se mudou com o marido para a
região de Sapiranga.
Ali, os colonos alemães como ela obedeciam à
Igreja Protestante. Na realidade nenhuma decisão era tomada na comunidade sem a
aceitação do pastor. Muitos colonos não concordavam com muitas atitudes de sua Igreja.
Então, quando Jacobina começou a adicionar às sessões de curas do marido um
estudo sobre a Bíblia, no qual as interpretações que fazia dela discordavam das
ideias dos pastores da Igreja, muitos colonos começaram a aceitar suas ideias.
A Igreja local passa então a não ver com bons olhos tais reuniões. Assim também
a igreja católica de Porto Alegre que dominava o Estado com rigorismo religioso
como, por exemplo, declarar inválidos os casamentos entre católicos e protestantes, o que trazia
consequências funestas para os colonos, declarou publicamente a aversão a estas
reuniões cada vez mais numerosas na casa de Jacobina, acusando-a de estar
ameaçando a ordem social. Também o pensador e diretor de um jornal Carlos Von Koseritz,
alto grau da maçonaria, com seus artigos passa a perseguir a atividade de
Jacobina concorrendo para o seu desfecho trágico.
Os seus transes e desmaios persistiam e
então seus simpatizantes passaram a achar que eram manifestações divinas e
adoravam-na como uma líder religiosa. Ela então seguia temerariamente dividindo
o cuidado com os seis filhos que teve com o marido nos curtos oito anos de vida
em que esteve casada, com a sua atividade bíblica. Quando uma espécie de seita paralela à
Igreja local começou a desenvolver-se, iniciou-se uma onda de difamações à sua
pessoa encabeçada pelas duas igrejas para desacreditá-la, inclusive chamando-a
de prostituta e feiticeira adúltera, pois ela contava sempre a seu lado com a
presença do marido de sua irmã, que às vezes interpretava as palavras truncadas
que ela dizia quando estava em transe, prescrevendo também as receitas.
Muitos historiadores o apontam como mentor
de todo o movimento criado por Jacobina, inclusive culpado pela grande chacina
que resultou deste episódio, uma vez que tanto ela como o marido eram colonos
simplórios semianalfabetos e ele cujo nome era Klein, era um homem
intelectualizado, coisa rara naquele meio. Alguns escritores acham que ela com
os seus transes tidos como espirituais, foi uma ingênua útil, usada para as
ambições de poder deste homem. Tais difamações acabaram dividindo a comunidade
de Sapiranga, pessoas que adoravam a líder, outros que se juntaram as tropas
enviadas por Porto Alegre, quando vieram prender o curandeiro Maurer e depois
levar Jacobina em uma carreta escoltada por oito soldados. Uma viagem que
durava nove horas onde ela foi exposta ao público, insultada e depois internada
na Santa Casa como demente. Porém, como foi constatado depois, que não sofria
de demência, ela e o marido foram mandados de volta à Ferrabraz, onde os seus
seguidores os receberam carinhosamente. Contudo, a violência já estava estabelecida entre as duas facções
locais. Quando as agressões e insultos à Jacobina e seus filhos são ali reiniciadas, seus seguidores, revoltados,
queimam a casa de um de seus acusadores
com toda a família dentro. Cinco filhos de Jacobina são capturados e separados
dela. Klein é preso e também João Jorge, seu marido. Forças militares invadem a
localidade procurando Jacobina que, na companhia de seu bebê de apenas meses,
se escondera nas matas com dezesseis adeptos. Quando as tropas os encontraram
foram todos mortos por tiros ou degolados. Jacobina recebeu um tiro na cabeça e
um golpe de facão no rosto. Com este massacre termina em 1874 o episódio dos
Muckers.
Reprodução do galpão onde morava Jacobina, hoje atração turística! |
Pessoas sobreviventes do massacre guardaram
hinários e canções usados no movimento religioso. Também foram arquivadas
cartas que ela escrevia pela mão do cunhado Klein a seu marido na prisão, onde
mostra seu amor por ele e sua preocupação com os filhos e o desejo de onde e
nas mãos de quem iriam ficar, quando as tropas viessem matá-la. Tal preocupação
vem contrariar – segundo alguns historiadores - a declaração de um padre
católico escritor que afirma que, quando a encontraram, o bebê já estava morto
porque ela o mandara degolar para que seu choro não os identificassem quando os
guardas chegassem. Mas em suas declarações aparecem discrepâncias entre o dia
da morte do bebê e a dela.
O destino do curandeiro após cumprir sua
pena é ainda um mistério. Alguns dizem que foi achado um corpo enforcado numa
árvore do morro Ferrabraz que teria sido identificado como o seu, já outros
dizem que o viram em Uruguaiana muitos anos depois. Durante muitos anos, as filhas
de Jacobina, após cumprirem a cadeia de Porto Alegre, (a mais nova após o bebê
tinha apenas dois anos) foram perseguidas, apontadas como feiticeiras. Hoje,
descendentes seus, vivem ainda em Porto Alegre, Palmeira das Missões e
Uruguaiana. Alguns herdaram a mesma paranormalidade ou mediunidade de Jacobina.
No Morro Ferrabraz, foi colocada uma cruz no
local da chacina, mas logo depois foi roubada. A segunda cruz foi colocada em
1996.
Diz a historiadora Elma Santana: “Como
muitos movimentos messiânicos, os Muckers romperam com o poder e isso lhes foi
fatal”. Diz ainda: “o mito de Jacobina, uma figura carismática, se apoiou muito
no fato de João Jorge ser carpinteiro e fazer curas como Jesus, e importante
foi também o fato de Jacobina ter sido martirizada aos 33 anos de idade como o
Cristo”. Se fosse outro o panorama social onde ela vivia certamente ela seria
apenas uma líder religiosa, carismática, cheia de filantropia.