quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Mucker


Trabalho extraído do livro “Jacobina” de Elma Santana
É o episódio mais violento da colonização alemã no Rio Grande Sul, há anos atrás foi levado ao cinema nacional com o título de Jacobina e interpretado por Letícia Spiller.

  A palavra Mucker quer dizer “falso beato” em alemão, e no plural quer dizer encrenqueiros. A principal família envolvida é a de João Jorje Maurer e Jacobina Maurer.  Ficaram os dois e seus seguidores tão estigmatizados, que os sobreviventes do episódio lembram que quando eram crianças suas mães os embalavam os amedrontando dizendo: Dorme senão os Muckers vêm te pegar.
João e Jacobina Maurer.
  Na verdade quem iniciou o movimento foi o carpinteiro João Jorje Maurer quando, casado há apenas dois anos, trocou a profissão de carpinteiro pela de curandeiro, na região de Morro Ferrabraz, até porque os colonos alemães daquela região de Sapiranga não empregavam ninguém para fazer seus móveis e galpões, os faziam eles mesmos, então esta profissão quase não tinha ali utilidade. Como naquela época de 1868 ainda não existiam médicos nas colônias, ele, logo, abrindo sua casa para receituários de chás, emplastos, ervas e unguentos, se tornou conhecido e benquisto recebendo até o título de “doutor maravilhoso’.

   No entanto, quem fez nome nos episódios daqueles chamados pejorativamente de Muckers, tornando-se uma líder foi Jacobina, que de início apenas o auxiliava com as receitas. Jacobina nasceu em Hamburgo Velho. Desde criança sua saúde foi muito fraca, sofria constantes desmaios e ficava por tempo imóvel às vezes balbuciando coisas desconexas. Com 24 anos ainda estava solteira, feito muito raro nas mulheres de sua época. Quando sua mãe, uma fanática religiosa, muito rígida, chamou um médico. Ele diagnosticou sua doença como histeria e recomendou que a casassem imediatamente. Hoje, diz um médico que escreveu sobre os Muckers e estudou os sintomas de Jacobina, que sua doença seria diagnosticada como disritmia cerebral. Parapsicólogos que a estudaram dizem que com ela se passavam fenômenos paranormais. Quando se casou, morou por dois anos em São Leopoldo, e depois se mudou com o marido para a região de Sapiranga.

   Ali, os colonos alemães como ela obedeciam à Igreja Protestante. Na realidade nenhuma decisão era tomada na comunidade sem a aceitação do pastor. Muitos colonos não concordavam com muitas atitudes de sua Igreja. Então, quando Jacobina começou a adicionar às sessões de curas do marido um estudo sobre a Bíblia, no qual as interpretações que fazia dela discordavam das ideias dos pastores da Igreja, muitos colonos começaram a aceitar suas ideias. A Igreja local passa então a não ver com bons olhos tais reuniões. Assim também a igreja católica de Porto Alegre que dominava o Estado com rigorismo religioso como, por exemplo, declarar inválidos os casamentos  entre católicos e protestantes, o que trazia consequências funestas para os colonos, declarou publicamente a aversão a estas reuniões cada vez mais numerosas na casa de Jacobina, acusando-a de estar ameaçando a ordem social. Também o pensador e diretor de um jornal Carlos Von Koseritz, alto grau da maçonaria, com seus artigos passa a perseguir a atividade de Jacobina concorrendo para o seu desfecho trágico.

   Os seus transes e desmaios persistiam e então seus simpatizantes passaram a achar que eram manifestações divinas e adoravam-na como uma líder religiosa. Ela então seguia temerariamente dividindo o cuidado com os seis filhos que teve com o marido nos curtos oito anos de vida em que esteve casada, com a sua atividade bíblica. Quando uma espécie de seita paralela à Igreja local começou a desenvolver-se, iniciou-se uma onda de difamações à sua pessoa encabeçada pelas duas igrejas para desacreditá-la, inclusive chamando-a de prostituta e feiticeira adúltera, pois ela contava sempre a seu lado com a presença do marido de sua irmã, que às vezes interpretava as palavras truncadas que ela dizia quando estava em transe, prescrevendo também as receitas.

   Muitos historiadores o apontam como mentor de todo o movimento criado por Jacobina, inclusive culpado pela grande chacina que resultou deste episódio, uma vez que tanto ela como o marido eram colonos simplórios semianalfabetos e ele cujo nome era Klein, era um homem intelectualizado, coisa rara naquele meio. Alguns escritores acham que ela com os seus transes tidos como espirituais, foi uma ingênua útil, usada para as ambições de poder deste homem. Tais difamações acabaram dividindo a comunidade de Sapiranga, pessoas que adoravam a líder, outros que se juntaram as tropas enviadas por Porto Alegre, quando vieram prender o curandeiro Maurer e depois levar Jacobina em uma carreta escoltada por oito soldados. Uma viagem que durava nove horas onde ela foi exposta ao público, insultada e depois internada na Santa Casa como demente. Porém, como foi constatado depois, que não sofria de demência, ela e o marido foram mandados de volta à Ferrabraz, onde os seus seguidores os receberam carinhosamente. Contudo, a violência  já estava estabelecida entre as duas facções locais. Quando as agressões e insultos à Jacobina e seus filhos  são ali reiniciadas, seus seguidores, revoltados, queimam  a casa de um de seus acusadores com toda a família dentro. Cinco filhos de Jacobina são capturados e separados dela. Klein é preso e também João Jorge, seu marido. Forças militares invadem a localidade procurando Jacobina que, na companhia de seu bebê de apenas meses, se escondera nas matas com dezesseis adeptos. Quando as tropas os encontraram foram todos mortos por tiros ou degolados. Jacobina recebeu um tiro na cabeça e um golpe de facão no rosto. Com este massacre termina em 1874 o episódio dos Muckers.

Reprodução do galpão onde morava Jacobina,
hoje atração turística!

   Pessoas sobreviventes do massacre guardaram hinários e canções usados no movimento religioso. Também foram arquivadas cartas que ela escrevia pela mão do cunhado Klein a seu marido na prisão, onde mostra seu amor por ele e sua preocupação com os filhos e o desejo de onde e nas mãos de quem iriam ficar, quando as tropas viessem matá-la. Tal preocupação vem contrariar – segundo alguns historiadores - a declaração de um padre católico escritor que afirma que, quando a encontraram, o bebê já estava morto porque ela o mandara degolar para que seu choro não os identificassem quando os guardas chegassem. Mas em suas declarações aparecem discrepâncias entre o dia da morte do bebê e a dela.

   O destino do curandeiro após cumprir sua pena é ainda um mistério. Alguns dizem que foi achado um corpo enforcado numa árvore do morro Ferrabraz que teria sido identificado como o seu, já outros dizem que o viram em Uruguaiana muitos anos depois. Durante muitos anos, as filhas de Jacobina, após cumprirem a cadeia de Porto Alegre, (a mais nova após o bebê tinha apenas dois anos) foram perseguidas, apontadas como feiticeiras. Hoje, descendentes seus, vivem ainda em Porto Alegre, Palmeira das Missões e Uruguaiana. Alguns herdaram a mesma paranormalidade ou mediunidade de Jacobina.

   No Morro Ferrabraz, foi colocada uma cruz no local da chacina, mas logo depois foi roubada. A segunda cruz foi colocada em 1996.

   Diz a historiadora Elma Santana: “Como muitos movimentos messiânicos, os Muckers romperam com o poder e isso lhes foi fatal”. Diz ainda: “o mito de Jacobina, uma figura carismática, se apoiou muito no fato de João Jorge ser carpinteiro e fazer curas como Jesus, e importante foi também o fato de Jacobina ter sido martirizada aos 33 anos de idade como o Cristo”. Se fosse outro o panorama social onde ela vivia certamente ela seria apenas uma líder religiosa, carismática, cheia de filantropia.