sábado, 3 de outubro de 2020

Mulheres Atuando na Vida Espiritual

A começar pela mais antiga temos: Maria Madalena. Com exceção da Virgem Maria, mulher escolhida para gerar o Cristo, Maria Madalena é, sem dúvida, a figura mais importante do Cristianismo. Sua vida é de feição enevoada, havendo sobre ela várias versões absolutamente opostas.

Annie Besant, líder
da Sociedade Teosófica.


Jeniffer Cristine diretora do Instituto Magala de Jerusalém, pesquisadora, escritora de um livro sobre sua vida, nos diz que Madalena nasceu em Magdala uma região muito prospera na época por sua indústria pesqueira, situada nas costas do mar da Galileia.

  Maria Madalena é dita como uma das mulheres que acreditando ser o Cristo o Messias esperado teria o seguido para vários locais de suas pregações a até sendo ela bem aquinhoada em bens o auxiliado e a seus apóstolos, lhes fornecendo recursos necessários para o gasto ao seu trabalho itinerante.

  Ter nascido em Magdala já justificaria o seu nome, pois sabemos que os povos antigos não davam sobrenome às pessoas, mas as distinguiam com o nome de suas cidades de origem. Assim, Madalena seria uma corruptela de Magdala.

  Uma versão diversa, contrária a ter ela vindo de Magdala, levanta a hipótese de ser ela a mesma Maria, irmã de Marta e Lázaro, aquele a quem o Cristo, num milagre, fez voltar da morte. Família que residia em Betânia.

  Em Les Saintes Maries-de-La-Mer, Veselay e Aix em Provence, todas as cidades do sul da França, Maria Madalena teria estado, quando as perseguições aos cristãos tiveram início em Jerusalém, para, num trabalho evangelizador, pregar nesta região a mensagem do Cristo. Até hoje Les Saintes Maries de La Mer cultua as quatro mulheres chegadas ali em barco. Maria Madalena, Marta, Maria Salomé e a cigana Sara. Ali é contado que Madalena teria morrido em Aix em Provence, e que suas relíquias estão em Veselay.

  O evangelho canônico de Lucas nos distingue Madalena como a mulher de quem ”Jesus teria expulsado sete demônios“. Ora, bem sabemos também que para os povos da Antiguidade todo e qualquer mal estar ou doença eram vistos como manifestações demoníacas que se apossavam do corpo de uma pessoa. Porém, ao chegar o ano 591 o Papa Gregório Magno interpretou como prostituição os demônios que Jesus lhe teria expulsado, qualificando então Maria Madalena de uma perdida prostituta. Que seria - dizia ele - estes demônios senão os seus vícios? Então a Igreja levou este pensamento adiante durante séculos.

   Modernamente, contudo, no ano 2016 o nosso Papa Francisco refutou tal ideia nomeando-a novamente de “A apóstola dos apóstolos” tal como já o fizera São Tomaz de Aquino e a intitulou de ”Santa”. Não por acaso - afirmou ele -Madalena foi a primeira pessoa a ver Jesus ressuscitado.

  As atitudes de Maria Madalena demonstravam o amor que sentia por seu mestre, o Cristo. Segundo João, ela lá estava junto à cruz acompanhando a mãe do Cristo em seu sofrimento. Conta-se que, após a crucificação, Madalena teria ido ao santo sepulcro levar ervas cheirosas, bálsamos para ungir o corpo do Cristo como era uso na época. Porém, ali não o encontrou. Foi quando ouviu uma voz a qual iria perguntar onde estaria o corpo do mestre, quando então se deparou com o próprio Jesus ressuscitado. Este lhe recomendado que fosse aos discípulos lhes revelar a sua ressurreição.

  Jesus confiava tanto na perspicácia de Madalena em entender seus ensinamentos que nos é contado que isto provocava desconforto, uma espécie de ciumeira da parte dos apóstolos. O que é compreensível, pois eles seguiam modelos patriarcais a respeito de mulheres que, na Judeia de seu tempo, eram vistas como seres de pouca inteligência, sendo que a posição oficial da Igreja de Israel contrariava qualquer liderança espiritual vinda de uma mulher.

  Contudo, por seu amor a Jesus, por sua perspicácia e auxílios a seu mestre, Madalena mereceu o epíteto de “Santa” lhe dado sabiamente por papa Francisco.

   Diaconisas: Não podemos esquecer que o Cristianismo contou com um número imenso de Diaconisas desde o tempo de São Paulo. Eram mulheres encarregadas de funções auxiliares ao culto cristão. Embora fosse vedado a elas a função sacerdotal, após a benção de um bispo, faziam também trabalhos religiosos junto às mulheres de comunidades. Instruíam-nas sobre o batismo quando estes ainda eram feitos em adultos e em corpo inteiro. Preparavam-nas, enfim, para receber todos os sacramentos. A elas também cabia visitar asilos e cárceres em nome de determinadas paróquias. Foram, enfim mulheres essenciais ao bom desempenho do trabalho cristão.

Freiras: Lembremos também das milhares de irmãs de caridade, freiras católicas e protestantes que há séculos trabalham em instituições de ensino e em hospitais, labutando abnegadamente em favor da educação e da enfermagem em vários países.

    Madre Tereza de Calcutá: Entre as religiosas católicas sobressai-se a personagem impar de Madre Tereza. Nascida em 1910, na Macedônia. Muito jovem, fez um noviciado e ainda nele com 21 anos foi para a Índia. Posteriormente, deixou este noviciado para vestir um sári branco e pedir a sua nacionalidade indiana. Exercia então ali o professorado de Geografia e História. Porém, resolveu depois dedicar-se aos pobres e doentes. Para tanto, foi fazer um curso de enfermagem e trabalhou tanto em favor dos necessitados indianos que acabou por receber do Estado a medalha “Senhor dos Lótus”.


Dion Fortune, especialista em Cabala.

   De uma simplicidade extrema, morava em favelas o que, após a sua morte aos 87 anos, lhe granjeou o título de “A Santa das sarjetas”. Esta mulher extraordinária fundou a “Congregação das Missionárias da Caridade” reunindo mulheres a favor do seu trabalho. Missionárias estas que existem em número de milhares em vários países.

Recebeu o Nobel da Paz aos 69 anos e foi beatificada pelo Papa João Paulo II que visitou diretamente seu trabalho na Índia. Em 2016 foi canonizada pelo Papa Francisco. Esta frase sua nos expõe claramente o âmago do seu ideal: ”Temos que procurar pessoas, porque podem ter fome de pão ou de amizade”.

 Aixa. Nasceu na Arábia Saudita e foi a segunda esposa do profeta Maomé. Casou-se com ele quando tinha 10 anos (nada excepcional para sua época e local). È relatado que embora Kadhija primeira esposa do profeta, uma viúva rica, o tenha sempre provido de bens para que levasse adiante sua mensagem, Aixa foi a sua esposa mais amada o seu grande amor.

  Maomé faleceu quando Aixa tinha dezenove anos e desde então ela passou a dedicar-se inteiramente, durante quarenta anos, à divulgação de suas mensagens. Lembremos que esses primeiros anos foram essenciais no estabelecimento do Islã o que deu a Aixa o título de “A teóloga do Islamismo”. Aixa era filha do companheiro mais constante de Maomé e seu sucessor como o primeiro califa do novo credo. Porém, desde o 3º califa, tido como corrupto, Aixa se envolveu em política liderando um exército contra ele. Chegou a mandar matar 600 homens numa batalha. Aixa é a mulher mais amada pelos islâmicos Sunitas e a mais odiada pelos radicais Xiitas.

  Desde o tempo do primeiro califa, a família de Maomé deveria ter acesso à sua sucessão. Alí, o marido de Fátima, filha de Maomé, se achava com direito a isso. Então, foi iniciada uma guerra entre Alí e Aixa. Esta lutou muito, mas perdeu a guerra numa batalha que ficou conhecida como” a batalha do Camelo”, pois Aixa lutava montada neste animal. Foi nesta ocasião que Ali, vencedor, instituiu o Islamismo Xiita. Hoje, ainda estas duas facções Sunitas advinda de Aixa e Xiita de Ali lutam entre si.

Porém, se considerarmos as condições de uma mulher originária da Arábia Saudita, especialmente na época em que Aixa viveu, podemos admirar a mulher corajosa que ela terá sido.

Kwan Yin, primeiro Buda mulher.

Kuan Yin: em 696 AC. Kuan Yin era filha de um governante do norte da China, da dinastia Chou. Teria na época ingressado no convento das Freiras do Pássaro Branco. Seu pai, que preferia vê-la casada, ordenou que o convento a submetesse às tarefas mais cansativas para fazê-la desistir da vida religiosa. Porém depois, muito contrariado por vê-la persistir no convento, mandou mata-la com uma espada. Foi quando o primeiro milagre de Kuan Yin se deu: A espada ao tocar no corpo dela, despedaçou-se. Fala-se depois em um trabalho seu numa ilha, onde se dedicava à curas e atendimento a homens sobreviventes de acidentes marítimos. Quando Kuan Yin morreu, sua mente –segundo o Budismo- não possuía nenhuma marca de negatividades, então Kuan Yin não necessitava mais de reencarnar-se. Porém, ela ouviu os pedidos por misericórdia dos homens da humanidade e resolveu tornar-se um Bodhisatwa, isto é, um dos seres que renunciam a uma situação de tranquilidade, o nirvana, para envolver-se entre as mazelas humanas a bem de servir à humanidade e despertar nela as consciências para a sabedoria espiritual.

  Tal decisão granjeou-lhe o título que até hoje possui: “Aquela que ouve os lamentos do mundo”. Encarnou-se então na pessoa de Avoloktesvara, o maior Bodhisatwa nascido no Tibete.

  Hoje, Kuan yin é a figura religiosa mais cultuada na China. Criou ela um Mantra para invocar suas graças:” Om Mani Padme Hum” que significa : ‘O joia do Lótus!. Ou também: ”Da lama nasce a flor de Lotus”.

Trabalha como todo budista da linha tibetana: especificamente para difundir a Compaixão.

   O final do Sec. IX e o começo do XX foram ricos em ideias espiritualistas trazidas do Oriente para o Ocidente, da Europa para a América. Nelas se sobressaindo varias mulheres especialmente importantes para a religiosidade esotérica.

  Tivemos Helena Blavatsky, a escritora russa que no final do Sec. IX criou na Índia, junto ao coronel Henri Olcott, a Sociedade Teosófica, com sua primeira sede na cidade de Adyar.

  Blavatski atribuía seus conhecimentos à instruções recebidas por mestres da Grande Fraternidade Branca. Em especial à influência espiritual lhe transmitida pelo muito conhecido mestre dos místicos El Moria. Entre os maravilhosos livros de Blavatsky tais como “Isis Sem Véu” e “A Voz do Silêncio” o mais importante é “A Doutrina Secreta” considerada para muitos como a “Bíblia do Ocultismo”. Blavatsky foi com certeza a maior difusora das ideias esotéricas do Oriente entre nós.

  Como sua melhor discípula tivemos Annie Besant, segunda presidente da Sociedade Teosófica. Dedicou sua longa vida de 85 anos também à Maçonaria fundando lojas maçônicas em vários países. Inglesa, viveu vários anos na Índia dedicando-se lá a liberdade deste país, chegando a ser eleita presidente do Congresso Nacional da Índia. Entre os seus belos livros podemos ressaltar: A Sabedoria Antiga” e o “Cristianismo Esotérico”.

  Alice Bailey: Também inglesa, no início de 1919 começou a escrever seus livros sob a orientação do mestre tibetano Dywhal Khul. Livros seus como “Tratado sobre Magia Branca”, “De Belém ao Calvário”, “O destino das Nações”, e “O Reaparecimento do Cristo”, são imprescindíveis à formação esotérica de um espiritualista.

Alice Bailey, autora do livro "Magia branca".

 Alice Bailey fundou a “Escola Arcana” com a finalidade de treinamentos, meditações e encontros espirituais de discípulos.

  Contamos ainda trabalhando nas primeiras décadas do século vinte com Dion Fortune. Outra inglesa, que como psicóloga ocultista dedicou-se à magia cerimonial. Seus romances foram verdadeiros guias para ritos e desenvolvimento de consciência.

   Dedicou-se ao social, aos movimentos feministas e influenciou a cultura moderna como a revolução sexual da mulher. Trouxe à tona estudos da Cabala judaica. Tornou acessível à estrutura da sua “Árvore da Vida” que se conservara até o Séc. XX como estudos fechados, só em mãos de rabinos. Seu livro mais importante sobre o assunto é, sem duvida, “A Cabala Mística”.

  Essas quatro mulheres: Blavatsky, Besant, Alice Bailey e Dion Fortune engrandeceram a religiosidade de quem a busca através do esoterismo.


domingo, 20 de setembro de 2020

Sobre as Quatro Nobre Verdades


A primeira Nobre Verdade:

Constata-se que desde o nascimento até a morte o homem se encontra envolto em tristezas. Ninguém já conheceu alguém que nunca tenha sentido uma tristeza.

  - A segunda Nobre Verdade:

A origem da tristeza é o desejo, a ansiedade. O desejo de rever alguém, de subir na vida, de ter um prazer, de realizar um plano etc.

  - A terceira Nobre Verdade:

Constata-se que é possível a destruição da tristeza se há entrega. Entrega a Deus, o destruir da ansiedade pela fé, pelo abandono à sabedoria dos planos divinos para nós.

  - A Quarta Nobre Verdade: O caminho da destruição da tristeza é óctuplo e compreende: Reta crença, reto pensamento, reta palavra, reta ação, reta subsistência, reto esforço, reta memória, reta meditação.

O Caminho óctuplo:

  Reta crença: Baseada no conhecimento de princípios fundamentais Se você não conhece o princípio da causa e efeito, você não conta com um retorno dos seus erros e jamais se livrará das tristezas.

  Reto pensamento: Fixarmos-nos sempre no que conseguimos de bom de uma situação e nunca no mal que dela proveio.

  Reta palavra: Na dúvida do que falar, sempre o silêncio será o melhor.  Cuidar para que as palavras sejam discretas. Muitas pessoas acham que para serem amáveis têm que estar sempre falando e fazem com isso um desperdício de energia.

  Reta ação: Que a ação não seja movida apenas por um interesse pessoal. Que ela tenha também um desejo de servir, de amar.

  Reto meio de sobrevivência : Que o nosso meio de sobreviver não contribua para a destruição de outrem , como, por exemplo, o comércio de artefatos de guerra de tóxico e muitos outros.

 Reto esforço: Se refere a dar um sentido às mais humildes ações que fazemos.

 Reta memória : termos sempre a lembrança constante da nossa filiação divina, de que temos um papel a cumprir.

 Reta meditação: Lermos e meditarmos sempre em coisas belas e pacíficas.

sábado, 15 de fevereiro de 2020

Guerreiros da Normandia


Rollo - O Viking

Rollo interpretado pelo ator Clive Standen,
na série Os Vikings.
Os historiadores divergem quanto aos motivos que teriam levado os Vikings as costas ocidentais da Europa. Porém, eles poderiam se enquadrar basicamente nestes: Riqueza que iriam alcançar através da pirataria dos mares;expansão do próprio comércio sendo incrementado no período que se iniciam os ataques; a superpopulação dos países escandinavos na época. Como povos que praticavam a poligamia, geravam muitos filhos tendo como conseqüência as expedições que os retiravam de seus territórios relativamente pequenos para contê-los, lançando-os à conquistas aonde iriam se estabelecer como colonizadores.
    Todos são unânimes, contudo, em que os impulsionou aos mares a valorização que a sua cultura dava as qualidades de heroísmo e coragem, cujos modelos eram os mitos de audácia de seus próprios deuses. Homens entre eles que almejassem a sucessão de uma chefia e até mesmo um reino, poderia por certo obtê-los se fossem buscar temerariamente no exterior, ricos despojos e alianças influentes.
     Todos estes objetivos lhes foram facilitados por sua grande habilidade na fabricação de embarcações, que era muito superiores as anglo-saxônicas e as dos francos. Também porque fizeram da navegação uma verdadeira arte, para a qual, todos desde a mais tenra infância eram preparados. Quase não usando velas, apenas remos, conseguiam uma velocidade insuperável.
    Já pelo séc. IX, havia sido tentada a primeira entrada aos domínios de Carlos Magno, com uma invasão defendida pelo imperador ,por isso fracassada de ocuparem Dorestad, o maior porto comercial do império franco, na Holanda ,não tão distanciado das costas normandas.
Monumento a Rollo,
primeiro Duque da Normandia.
    Enquanto Carlos Magno viveu os manteve afastados. Após a sua morte,quando da divisão do império entre seus três netos,  a Normandia se  incluiria naquela parte que coube a Carlos,o calvo. Este porém não conseguiu deter o cerco Viking, cada vez mais introduzido neste território. O império estava enfraquecido pelos conflitos entre os três irmãos governantes, também pela impossibilidade destes em dominarem a autonomia dos senhores de muitos feudos em que se dividia a Gália.
    O império franco chegaria ao fim. O feudalismo se consolidaria como o sistema que dominaria as fracas dinastias por quase toda a Idade Média. As costas ocidentais da França abririam de par em par as suas portas aos “Homens do Norte”.
    Pelos meados do séc. IX, os Vikings já haviam se estabelecido nas ilhas perto de Rouen, segundo o seu costume de fazerem das ilhas abrigos para os seus ataques.
    Os primeiros locais visados como pontos de pilhagens, foram as ricas abadias e igrejas que desde o séc. VI haviam se multiplicavam nas margens do Sena, no ”Vale dos Santos” (Valy de Fontanelle). St.Vandrille, famosa por sua biblioteca e que era um dos maiores centros de estudo da cristandade do ocidente ,foi a mais destruída. Nem Jumieges, hoje a maior ruína monástica beneditina da França, escapou da fúria Viking.
    Nos primeiros anos do séc. X aparece o chefe Rollo que lutaria com os francos que ainda resistiam no vale do rio (Uma das preferência vikings era descer os estuários do Sena e do rio Loire para atingir o interior do país). Com o seu exército escandinavo, conseguiu tornar-se o único líder em toda a Normandia.
    O poder pode ser até fascinante se trouxer em seu bojo a lealdade. Rollo acabou por receber dos vencidos, legitimada por um tratado, a terra normanda. Não só porque talvez o propósito com que trouxeram ali os seus guerreiros, fosse exatamente a colonização,ou também porque infligisse medo, devido a uma especial crueldade que possuísse, mas sobretudo porque fora leal ao rei francês. 
    Por sua lealdade havia feito justamente o contrário de muitos de seus conterrâneos escandinavos: Aqueles ofereciam aos senhores e reis francos em troca de grandes somas, a defesa de terras contra o ataque de novas levas de Vikings.ofereciam também cultivo com a imensa mão de obra que possuíam, pois é sabido que os exércitos Vikings eram numerosos. Porém ao receberem tais somas, abandonavam as terras levando delas todos os espólios que os seus barcos pudessem conduzir.
    O território contido dentro dos limites do tratado de St. Clair-sur Epte entregue a Rollo, não era pouco extenso. Ia desde o baixo Sena abrangendo o nordeste até à Picardia e o sudoeste da Bretanha. No entanto, ele conseguiu colonizá-lo, plantá-lo e defende-lo energicamente. Energia era o que não lhe faltava. Conta-se que pendurava nas árvores das florestas, braceletes preciosos e outras jóias (os Vikings eram ótimos joalheiros) certo de que ninguém nelas tocaria, somente para deixar claro quem fazia a lei e a justiça no ducado.

Guerreiro Viking e seu elmo de guerra.

    Rouen, a capital da Alta Normandia onde foi batizado ,comprometendo-se também assim com a Igreja,conservou as melhorias que Rollo fez em seu rio. Após ter aprofundado seu leito, construiu desembarcadouros em suas margens, aproveitou ilhas fluviais unindo-as ao continente.
    Não só ele, mas os outros nórdicos que o sucederam, foram tão respeitados que pode se considerar a data de 912 (seu batismo) como o final das grandes invasões Vikings. Rollo tornou-se então uma daquelas raras personalidades que se posicionam como marcos da história. Referindo-nos a acontecimentos os situamos :Antes delas e depois delas.
    Quem desejar conhecer a aparência de um chefe Viking ,encontrará na magnífica catedral de Rouen, construída um século após a sua morte, a imagem de Rollo em repouso, na capela de Nossa Senhora.
     O respeito aos laços familiares, foi talvez a mais duradoura herança deixada pelos escandinavos na Normandia, durante aqueles séculos em que a colonizaram.Para os Vikings um homem não subsistiria nem materialmente, nem tampouco emocionalmente, a não ser como parte integrante de uma família.Sentir-se membro de uma ,era a necessidade mais essencial da alma humana. Os responsáveis por crimes eram invariavelmente proscritos da família, sendo o castigo da solidão visto como o mais terrível e que envolvia também a perda do círculo de amigos.
    Para entender-se o pensamento dos Vikings em relação à família e amizades,lembramos que eles as necessitavam como apreciadores dos seus feitos. Tinham os deuses como modelos, mas nenhum de seus atos de coragem era feito para agradá-los mas sim para receber a aprovação do seu grupo de relações. Um reconhecimento público de sua coragem ,o merecimento de presentes, revertia sempre para aumentar a honra, não apenas do indivíduo que os recebia, mas sobretudo a do clã familiar.
    Antes mesmo de a Normandia tornar-se um território unido num só ducado, Rollo fez da então vila de Bayeux, situada numa região que hoje prima por suas pastagens e agricultura, a futura sede da dinastia dos duques normandos quando casou-se com a filha do senhor feudal daquela região e colonizou-a.
    As marcas de sua colonização vivem ainda hoje fortemente na riqueza dos campos, na zona do Contentin e na terra de Caux normanda. Afinal, para os escandinavos, as lidas do campo eram tão habilmente executadas como as do mar.
    O recebimento de um ducado e da mão de uma mulher de estirpe, longe de sua terra no outro lado do oceano, deverá ter parecido ao chefe Rollo como coisas que lhe eram devidas.

Os irmãos Rollo (Clive Standen) e Ragnar (Travis Fimmel),
na série Vikings.

    Na verdade, a chamada ”corrente Viking” que vasculhou as costas marítimas, ao sul, a oeste, para a Groelândia e até a América, foi oriunda de chefes regionais dinamarqueses, suecos e noruegueses, de fazendeiros aristocratas que vinham herdando de geração para geração a propriedade de terras. Assim, o Viking Rollo era daqueles homens que lidava com o poder como se ele fosse um bem que lhe era de direito pelo simples ato de ter nascido.
     Suas bodas com Popa deverão ter seguido os costumes vikings ,que faziam do início de uma família festividades que duravam vários dias, e eram tidas como a mais importante da sua vida social. Nelas, apareciam as grandes paixões vikings: Poemas difundidos pela tradição oral, o contar de histórias sobre o feito dos seus guerreiros e seus deuses, e a dança. Nesta, vários camponeses enlaçados pela cintura, atinham-se principalmente a coreografia dos pés, aos moldes das danças russas e eslavas que hoje assistimos. Rollo gerou filhos que empenharam-se em reconstruir abadias que seus próprios ancestrais haviam destruído e auxiliaram os monges a criar monastérios ao novo estilo romanesco regional mais tarde conhecido como Normando.
    O estilo romanesco normando iria espalhar-se na Inglaterra, tendo na Abadia de Westminster o seu mais belo exemplo.  depois que Guilherme o bastardo, o mais conhecido descendente do chefe Rollo, atravessasse o Grande Canal para conquistá-la à linhagem normanda dos Vikings.
    Ao criar em 911 d.C. o primeiro ducado da Normandia, Rollon abriu através deste seu descendente ,que lhe herdou a pertinácia,a grande prosperidade da região.

Joana D'Arc - A guerreira Mística

A integração cultural ilha inglesa e continente europeu, para a qual Guilherme com a conquista dera o primeiro passo, custaria para as populações da França e Inglaterra longos períodos de sofrimento. Os desajustes entre ambas iriam ser levantados apenas pela ambição das casas reais dos dois países, todas as duas se achando com direito legítimo ao trono francês e não por quaisquer sentimentos de nacionalismo de suas populações, pois na realidade, estes sentimentos se tornariam fraco à medida que cada porção feudal fora se isolando dentro de sua própria autonomia.
Joana, a guerreira mística.
    Porém, por traz dos acontecimentos, só uma coisa naturalmente importaria: O crescimento da consciência dos homens, que iriam encontrar experiências novas para vivenciarem. Pelo séc. XIV além daquele grande conflito externo vivia-se na França justamente uma fase de transições políticas, onde iriam fazer face à grande transformação do regime feudal para o monárquico .
    O sentido de pertencer a facções feudatárias isoladas, separadas por rivalidades dos territórios vizinhos, isentas de sentimentos de unidade a um centro, iria ser substituído por aquele de estar inserido em um todo de país e isso se daria através do fortalecimento da monarquia francesa.
    Participante também deste contexto, onde o feudalismo se esfacelava, a Normandia viu o engrandecimento do sistema monárquico resultar na perda de sua autonomia, tendo sido anexada ao reino francês.
    Como até hoje os povos, não têm conseguido atingir suas mudanças a não ser através de conflitos, quando em 1346, o rei inglês Eduardo III, intitulando-se rei da França invadiu-a pela Normandia já uma das guerras mais longas da História tivera início: A chamada Guerra dos Cem anos. Na 2º década do séc. XV.  haviam ainda dois reis disputando a coroa francesa: Henrique IV da Inglaterra e Carlos VII herdeiro da França.
    Não podemos imaginar o que significava para a população campesina da Normandia ,atravessar mais de três gerações vendo os campos invadidos por homens de guerra, que largavam devastação e mortos onde quer que se enfrentassem face à face; dividir com os guerreiros suas habitações, que para a maioria da massa camponesa era de uma simplicidade extrema, construídas de argila e madeira, com poucas aberturas,enfumaçadas,onde ao rés do chão dormia toda a família sobre um leito de palha e em peça-estábulo resguardava-se o gado do frio;o quanto lhes custava prover os soldados com os pães de centeio, o queijo,o toucinho que haviam armazenado para si. Difícil também imaginar a movimentação dos postos de beira de estrada, que deveriam estar sempre à disposição das trocas de utensílios de montaria e ter sempre água e feno suficiente para alimentar os animais das tropas, como uma obrigação que lhes deviam;avaliarmos a pilhagem a que nos vilarejos estavam sujeitos os artesãos e oficinas (sabemos que a Guerra dos Cem Anos notabilizou-se pela pilhagem).
    Este conflito tão extenso,que teve apenas uns anos de trégua, quando a peste negra do séc. XIV grassou em toda a população européia, ora pendia à favor da facção inglesa ora para a francesa e talvez se arrastasse indefinidamente se o inusitado não houvesse acontecido: O aparecimento de alguém que iria envolver a França num fervor, num entusiasmo nacionalista que conclamando populações, poria fim a este impasse.

Joana a guerreira.

    Não se tratava de um chefe guerreiro ou de um cavaleiro nobre, mas apenas de uma pastora de 17 anos. Somente um ano custou-lhe para levar Carlos VII a ser coroado rei da França na catedral de Reims .Isto era algo complicado no momento pois Carlos VII havia sido deserdado e tirado de seu direito ao trono francês por seu pai Carlos VI que iria dar o trono em herança ao rei inglês.Isto porque os ingleses haviam difundido que a mãe de Carlos VII era uma libertina e que ele era portanto uma bastardo. Influenciado por esta desconfiança, o rei o desertou e assim a Inglaterra estava prestes a pegar o trono francês.Podemos avaliar melhor como Joana D’Arc conseguiu levar o herdeiro à Reims dividindo a vida desta guerreira em três etapas.
    A primeira aquela em que aos 13 anos trabalhando nos campos de Donremy onde nasceu, parava suas tarefas assaltada que era por manifestações místicas. Enquanto os ingleses ocupavam o noroeste da França com um grande reduto fortificado em Orléans, Joana vivia as agruras da guerra, preocupada como todos com a fraqueza e hesitação do pretendente francês em assumir o trono. Passou então a ouvir vozes que lhe pediam para libertar Orléans.   Sua biografia nos diz que durante três anos teve contato com manifestações transcendentes a ponto de achar que o arcanjo do monte St. Michel lhe aparecia para instigá-la a envolver-se diretamente na guerra, sob sua assistência. Em 1429 ela aceitou estes chamamentos e dirigiu-se ao governador de Vancauleurs pedindo permissão para ser um “Homem de guerra” Foi a primeira mulher na Idade Média que envergou um uniforme masculino, como medida de proteção em seus caminhos até Chinon castelo residência de Carlos VII, onde iria confiar-lhe suas intenções.
    Escoltada por apenas seis homens de armas Joana chegou a Chinon após muitos dias de cavalgada passando por campos comumente assolados por bandos de soldados ingleses. Porém, como não encontrou um único em seu trajeto, as populações entenderam isto como um milagre e a persuasão a sua causa lhe foi facilitada. Fala-se em Joana jejuando e orando durante dias em uma estalagem para obter a graça de falar com o Delfin Carlos VII. A multidão que a seguia era então já grande e conseguiu por isto ser recebida no castelo.
    O visitante que vai a Chinon no vale do Loire, ouvirá contar como as coisas não foram fáceis ali para aquela camponesa ousada.Todo um aparato havia sido montado para intimidá-la. A descrença sobre sua capacidade guerreira era naturalmente grande entre os cavaleiros nobres.Alem disso, não admitiam ela pretender uma vitória que eles, experientes homens de guerra, não haviam ainda logrado.
    Trezentos destes nobres enchiam o grande Hall, iluminado por um número imenso de archotes, os cortesãos estavam engalanados em trajes de cerimônia e o herdeiro no meio deles.
Carlos VII, ele próprio não estava bem certo de ter um direito legítimo ao trono , mas chegou a acreditar nisso quando ela , sem intimidar-se ,com firmeza lhe assegurou que, em nome do Senhor Cristo ,ele seria o rei e que Deus a havia encarregado de anunciá-lo e coroá-lo em Reims.
    Seus cavaleiros contudo, foram mais cautelosos Puseram-na
durante três semanas reclusa , numa observação onde vários médicos e mulheres experimentadas em casos de bruxaria, decidiriam se ela de fato era a enviada de Deus ou feiticeira. Tipo de preocupação que naqueles tempos medievais da Inquisição e da caça as bruxas era perfeitamente normal.
    Naquelas semanas, as suas atitudes simplórias e ingênuas, sua firme confiança no que ela chamava de “sua missão” e principalmente a inteligência de suas respostas, acabaram por demover o cepticismo dos mais intransigente.
    Na segunda etapa de sua atuação, a veremos já de posse de um exército fornecido pelo herdeiro, a caminho da praça de guerra, embora seja dito que seus conselheiros militares fizeram tudo para que ela,desconhecedora da região de Orleans, fracassasse, dando lhe informações errôneas da situação lá. Artimanha que causou a chegada do grosso da tropa só alguns dias após ela já estar ali, acompanhada apenas de poucos soldados. Também os militares de Orléans receberam-na com visível contrariedade e tudo fizeram para impedi-la a tomar a Bastilha de St. Loup, a bastilha de St. Jean e o Boulevard de Tourelles.
    Se pudermos aceitar que alguém possa estar investido de forças sobrenaturais, acharemos que Joana certamente estaria sustentada por elas, pois foi conseguindo vitórias após vitórias, apesar da desesperada resistência dos ingleses e das dificuldades impostas pelos próprios rivais franceses.
Imagem clássica de Joana D'Arc
como guerreira.
Joana porém, contou com a idolatria quase mítica dos cidadãos de Orléans e de sua tropa em relação a ela. Conseguiu refrear as orgias e libertinagens da soldadesca. Elas eram, na época um lugar comum e o maior pavor das populações nos lugares sitiados e tomados por combatentes. Estava investida de um halo de pureza e misticismo. Desde a sua vivaz aparência de juventude, ressaltada dentro de uma armadura reluzente, seu cavalo branco, até o estandarte que mandara confeccionar: De seda também branca, que além de bordado em flores de Liz, de fios dourados, tinha bem acima sobressaindo-se os nomes de Jesus e Maria.
     Só lembrando-nos do fervor religiosos todo feito de medo da era medieval, podemos imaginar como ela conseguiu incitar seus soldados a que se atirassem a cada combate com tanto ardor.
    Nesta luta cheia de situações muito críticas, onde mostrou um desassombro e tino militar invulgar, talvez a mais emocionante seja aquela em que, para animar sua soldadesca a segui-la, atravessou ela própria os fossos da fortaleza de Orléans a fim de levantar uma escada sobre o muro. Ferida entre o pescoço e o ombro por uma flecha, tombou. Neste momento ouviram-se vindas da fortaleza as exclamações jubilosas de todos os ingleses: A feiticeira está morta! Está morta!
    Feiticeira ou não, o fato é que os arquivos sobre sua vida afiançam que “embora gravemente enferma os anjos lhe aparecem e em poucos dias a curaram”. Quando retornou ao ataque, os ingleses que a julgavam morta, apavoraram-se ante sua presença e o seu estandarte e abandonaram as muradas, refugiando-se no interior do forte. Lançada a confusão entre os inimigos, as tropas de Joana e a população de Orléans que a auxiliava, tiveram tempo suficiente para tomar a fortaleza Finalmente os ingleses capitularam sob um ataque vindo de todos os lados.
    Teríamos a terceira etapa na tragédia que a envolveu, após ter visto coroado o herdeiro da dinastia de Valois, conforme prometera a seus anjos. Joana estava então em seus 17 anos, mas não teria vida suficiente para ver consolidar-se a monarquia da França. Em maio de 1431 seria queimada viva na praça do mercado da cidade normanda de Rouen.
    Só a coroação na catedral de Reims legitimava para os franceses a sagração de um rei, pois lá durante mil anos naquele mesmo batistério ,onde havia sido batizado Cloves o primeiro rei franco todos os reis da França haviam sido coroados. Assim Joana havia insistido com os chefes militares para tomarem Reims, então ocupada pelos ingleses e levar ali Carlos VII, Levantara com isso uma apoteótica comoção por parte do povo, que delirantemente a ovacionava.
    Com a coroação o nacionalismo da França se pôs alto. Foi esquecido então o mito temeroso da invencibilidade das tropas inglesas, que dificultava tantos combates, criado desde as vitórias da Inglaterra em Crecy, Poitiers e Azincourt. Contudo, por estes tempos, agora de glorias, a França estava assolada por lutas internas ,por uma verdadeira guerra civil entre o feudo da Borgonha, que apoiava os ingleses e daqueles partidários do rei.    
Joana D'Arc na fogueira.
Em 1430, o duque da Borgonha iniciou a tomada da região de Compiegne a 80 km de Paris. Convinha-lhe possuir um território que lhe permitiria unir os feudos borgonheses à rica região de Flandres, que já lhe pertencia . Joana encaminhou-se então à Compiegne para defender as terras do rei. Ali, contudo, sua caminhada guerreira chegaria ao fim. Foi capturada. Mesmo prisioneira dos borgonheses, ela representava ainda uma ameaça à Inglaterra que desejava fosse ela declarada pelas autoridades eclesiásticas uma ‘Feiticeira enviada pelo diabo”.
     Pressionados por razões econômicas, como impostos cobrados por parte dos ingleses, os borgonheses anuíram em vender Joana para aqueles ,pela quantia de 10.000 ducados de ouro. Num julgamento que durou meses, conduzido pelo bispo de Beauvais, para ela sobraram apenas duas opções: Ou arrepender-se assumindo como bruxa, o que a levaria ao cárcere perpétuo ou seria queimada viva, porque sendo, segundo as conclusões dos eclesiásticos, mesmo bruxa,  não estava se arrependendo.
    Afirmando sempre a sua missão transcendente, foi queimada então em uma imensa fogueira, conforme o costume de se queimar vivos os heréticos, estabelecido pelo tribunal da Igreja desde o século XI.
    Rouen, a velha capital do primeiro ducado de Rollon, o normando, e de Guilherme o conquistador, é hoje um dos portos mais movimentados da França. Todavia Rouen atrai sobretudo os amantes da arte e história,os primeiros pela sua magnífica catedral gótica do sec.XII e pela beleza de St. Maclou, obra prima gótico-flomboyant e os últimos evidentemente pelas lembranças locais de Joana D’Arc .
    Ao entramos na igreja que leva o seu nome, na praça do mercado, estaremos pisando o local onde foi queimada e se verá a estátua que dá a ela uma conotação mais santa do que guerreira (.Quinze anos após a sua morte o papa proclamava o erro do tribunal e sua inocência, porém só em 1920 seria canonizada por Bento XV.) Quem duvidar do sempre vivo tradicionalismo francês, deverá observar que cinco séculos após ter acontecido estes fatos, lá estão permanentemente flores frescas colocadas ante seu pedestal .A grande ação de Joana D’Arc não foi, sem dúvida, coroar este ou aquele rei. Porém, porque conseguiu levantar o sentimento unitário que justamente com todas as aquisições culturais que, desde o século XII vinha provocando um verdadeiro despertar naquela civilização ainda rude, formou a base da unidade francesa.
    Os episódios de sua vida seriam vistos como inacreditáveis se houvessem sido concebidos pela mente de um ficcionista, mas a história muitas vezes supera a ficção em fantasia.


sexta-feira, 15 de novembro de 2019

A Bruxaria Feminina


A lenda bíblica cita Lilith como a primeira companheira de Adão, antecedendo, portanto à Eva. Atribui a ela uma divergência com Deus que a fez ser expulsa do paraíso. Há referências a ela tanto na Torá como no Talmud, livros sagrados do Judaísmo. Teria ela então ido conviver com o demônio. Tais ideias deu início ao pensamento que fez da mulher o centro das práticas bruxescas, dando à bruxaria uma conotação eminentemente feminina. Bruxaria significa então práticas e magias demoníacas induzidas a fazer o mal.
Lilith, a primeira
mulher de Adão.
   Lilith teria uma aparência dupla enganadora, uma face bela e jovem, mas pés de coruja e asas de morcego. Era de natureza arrogante, pois, segundo as escrituras sagradas judaicas, enquanto Eva foi feita de uma costela de Adão, portanto submissa a ele, ela, Lilith, teria sido feita do mesmo barro que ele, por isso igual a ele. Foi então a primeira mulher a rebelar-se contra o sistema patriarcal.
    Numa antiguidade muito remota lá pelo 3° milênio A.C. na região da Suméria, apareceu a primeira mulher bruxa de nome Lilake. Então os sumerianos passaram a crer numa deusa de nome Inana que protegia os homens de manifestações demoníacas femininas. Esta deusa prendia esta mulher maligna dentro de um grosso e imenso pé de Salgueiro para que ela não perturbasse os inocentes homens.
   Séculos depois, a Grécia nos deu a crença em Hécate. Era uma deusa encontrada nas encruzilhadas. Uma encruzilhada é, como bem sabemos através dos cultos Afro, o lugar onde vivos e mortos se encontram. Nelas os mortos recebendo dos vivos oferendas. Então, Hécate tinha o poder de afastar dali espíritos malignos e era por isso muito homenageada. Possuía um séquito de cães que habitavam as margens do rio Estingue ,o rio que leva ao mundo dos mortos. Tais cães latiam para chamar os moribundos a morrer, então os doentes temiam muito a figura de Hécate. Era por outro lado protetora das mulheres grávidas sendo chamada então de “parteira celestial”. Hécate era assim detestada por uns e amada por outros.
   Na Idade Média ,lá pelo século XV a vida feminina estava um caos. A nada a mulher tinha direito. E ao mesmo tempo os Sabás (encontros bruxescos) proliferavam. Provavelmente seus maiores frequentadores eram mesmo as mulheres. Podia-se bem compreender o porquê: Casavam se muito meninas ,entre 12 e 13 anos, com homens bastante mais velhos do que elas. Estes, seguidamente as deixavam durante meses para irem guerrear em feudos distantes. Elas então fugiam de casa para irem à Sabás levando no coração esta esperança: Livrarem-se através de magias desses maridos que viam como opressores. Vê-los ,quem sabe, transformarem-se em lobos que vagariam perdidos pelas florestas sem possibilidade de um retorno. Para o recurso de saciarem desejos sensuais e românticos juvenis tinham sempre à mão pajens guardiões jovens que habitavam mansões e castelos e que as vezes muito providencialmente ficavam encarregados de cuida-las.
Cerridwen e seu caldeirão.
   Numa reação da Igreja ao comportamento destas esposas meninas, em 1484 foi escrito o livro “Malleus Maleficarum” (O Martelo das Feiticeiras) por dois inquisidores. Este foi o documento fundamental que desencadeou a maior onda de perseguições e horrores ao feminino nas sociedades europeias pelos séculos que se seguiram. Fala-se que em Saragoza, na Espanha, teria sido queimada a primeira vítima na fogueira uma mulher de nome Gracia la Valle.
   Quando hoje passamos pelo Caminho de Compostela ouvimos falar das bruxas de Zugarramurdi o mais famoso caso na região de Navarra. Tal caso gerou um filme muito premiado em 2013 do mesmo nome. “As Bruxas de Zugarramurdi” onde, segundo o enredo, foram queimadas na fogueira perto de trezentas mulheres, entre elas crianças. Foram acusadas de terem atos sexuais com bodes, tomarem caldo de sapo, e conviverem com animais como gatos negros, e corujas.
   Havia porém desde a Antiguidade uma diferença entre bruxas e feiticeiras. As primeiras dedicavam-se a magias maléficas, as segundas possuíam poderes paranormais de adivinhações, poderes extraordinários com os quais se vingavam apenas de magias feitas para o mal. Assim, segundo a lenda, tivemos feiticeiras instruídas nas cortes do rei Arthur na região de Avalon que era encoberta ao mundo por grandes nevoeiros. Resultou deste culto de Avalon a crença francesa em sua principal feiticeira (la sorcière): Morgane. Na floresta de Paimpont situada no norte francês, ela é lembrada até hoje. Lá existe um vale chamado “O vale sem retorno,” porque ali o espírito de Morgane espera os homens infiéis e vinga-se de infidelidades que recebeu de seu homem amado, jogando-os a cair de um penhasco, levando-os à morte. Na Idade Média, época de grande crença em magias, muitos homens infiéis não entravam naquela floresta, temerosos do espírito de Morgane.

Casa onde viveram as bruxas de Salém.

Votamos aos bruxedos lembrando o famoso caso das Bruxas de Salém, acontecido em Massachusetts no final do séc. XVII. Tudo começou quando mulheres simpatizantes do ocultismo tiveram pesadelos e foram examinadas por médicos .Estes atestaram que elas estariam embruxadas.  Todas do grande grupo que eram foram queimadas vivas. Tal episódio também, resultou numa extraordinária peça de teatro de nome” As bruxas de Salém “ do grande dramaturgo norte americano Arthur Miller, que foi casado com Marylin Monroe.
   Não era difícil descobrir-se se alguém era bruxa  Estas passavam pelo teste do Ordálio. Este consistia em fazer as acusadas colocarem as mãos e pés sobre brasas incandescentes e somente se não se queimasse , o que naturalmente nunca acontecia, tinham direito a um julgamento, também fraudulento, livrando-se então da fogueira.
   Não escapou também de perseguições. a heroína francesa Joana D’arc aquela que conseguiu acabar com a guerra dos cem anos. Após esta façanha memorável, viu-se envolvida em intrigas políticas e foi acusada de bruxaria e  ante   o Tribunal da Santa Inquisição  foi queimada na praça do mercado de Rouen.

Bruxas de Zugarramurdi queimadas na fogueira.

  
No Brasil, apesar da afro-brasileira ter expandido em todo o nosso território uma magia rica em amuletos , despachos ,guias, para se obter o “corpo fechado” e aceitarmos práticas de possessões bem semelhantes as do Vodu haitiano, apenas em um dos nossos Estados existiu o protótipo perfeito da bruxa, na verdadeira conotação do termo: Em Santa Catarina após a chegada dos imigrantes das ilhas dos Açores em 1748.
   Franklin Cascaes foi  o grande conhecedor e   amante das particularidades da antiga Vila Nossa Senhora do Desterro, antigo nome de Florianópolis, Em seu precioso livro “O Fantástico na Ilha de Santa Catarina” nos conta sobre as práticas bruxescas usuais em sua infância. Fala sobre um novelo de lã dado pelo demônio para a mais velha do bando de bruxas, que era uma espécie de cetro do poder que lhe era passado. Quando a bruxa estava por morrer ela subia pelos ares desenrolando o novelo, o que causava uma disputa para pega-lo, pois quem o conseguisse seria a nova chefe do bando. Conta-nos ainda que as bruxas faziam artes como dar nó nos rabos dos cavalos, galopar com eles pelos ares,  depenarem galinhas nos puleiros,  enliarem as linhas dos pescadores.
   Atualmente ainda encontramos lá mulheres bruxas em locais onde antigas crendices sobrevivem, como Ribeirão da Ilha e Santo Antônio de Lisboa. Em locais interioranos acredita-se existir bruxas embora não com as características sensuais das bruxas medievais São então convidadas a    se afastarem com orações como esta: ”Tosca marosca, rabo de rosca, grilhão nos pés, relho no traseiro.  Bruxa tarata bruxa, não  entre na casa por todos os santos e santos, amém.”
   Hoje no Estado, encontra-se mais mulheres apenas feiticeiras ou com função de benzedeiras muito procuradas a favor de “malinhados “pessoas que são vítimas dos chamados “olho grande”. Caso apareça na comunidade alguma pessoa advinhada como tendo poderes maléficos,  geralmente benzedeiras são chamadas  para neutralizar suas ações o que na Ilha se chama “Amarrar a bruxa “. Após mais de duzentos anos  de imigração açoriana constatamos que a velha concepção de que a mulher conta com um lado de poder mágico que lhe serve de defesa  contra realizações de desejos benignos e malignos ainda vive no imaginário de muitos na Ilha de Santa Catarina .
   Somos ressaltadas na religiosidade judaico-cristã como estas bruxas perseguidas ou com duas faces antagônicas de bem e mal  como a deusa Yeuá dos mitos afros. Ela, durante a noite, era a  belíssima lua cheia que refletida numa simples poça d’água apaixonava quem a fitasse. E, dava prazeres sensuais aos homens mas ao surgir o sol fugia dele, punha um manto preto sobre si para esconder uma face horrenda que possuía, tornando-se a escurecida lua nova.

Museu da Bruxaria, em Salém...
   Por outro lado, recebemos também de outras tradições muitas homenagens. Fomos deusas como a Isis egípcia. Ela que era as margens do Nilo, recebia de Ozires, o rio , de suas margens as suas aguas o seu sêmen fecundante. Então Isis fertilizava o Egito com espécies vegetais tão enriquecedoras como o papiro.
   Somos também consideradas Jacy, lua refletida nos rios amazônicos, somos ainda ali Jacy o grande recurso de pedidos de auxílio dos nossos ribeirinhos indígenas.
   Também já fomos Cerridwen a celta que trazia nas mãos um caldeirão onde preparava poções mágicas que traziam o dom da adivinhação. Foi ela que deu a Merlin o grande companheiro do rei Arthur, suas possibilidades  advinha tórias.
   Apesar de até a Idade Média sermos ainda consideradas pelo Cristianismo como símbolo do pecado, fomos depois resgatadas com todos os cultos dados à Maria, mãe do Cristo, em suas varias versões: Senhora das Dores, Senhora da Saúde, Senhora de Lourdes, Senhora de Fátima e tantas outras.
   O esoterismo nos reabilitou do crime judaico-cristão  do fato de ter feito o homem perder o paraíso por um simples gesto de curiosidade. Fez da curiosidade a maior dom feminino. Ensinou-nos que ela nos faz querer vivenciar o bem e o mal, encarnar-se varias vezes, evoluir. Enfim, tirou  da alegoria de Adão e Eva  a conotação sensual do pecado original.


domingo, 29 de setembro de 2019

O Saudosismo Criando Mitos de Retorno

   Todos os povos prezam a memória de seus ídolos passados, mas alguns fazem mais: Seu imaginário popular acredita firmemente em suas voltas míticas para liberta-los de momentos adversos.
O retorno de Jesus...
   O Cristianismo crê na Parúsia, o segundo advento do Cristo. Já na Apocalipse a Bíblia dizia que Ele viria lutar contra uma figura bestial: O Anticristo. Introduziria uma nova era de paz conhecida como o Millennium, pois duraria mil anos. Jerusalém se tornaria então a capital do mundo e os Judeus reconheceriam por fim a figura de Jesus como o messias esperado em suas profecias.
   O Sebastianismo foi durante mais de um século o messianismo português. D. Sebastião, neto de D. João III, no século XVI gerou uma crença em seu retorno, após ter desaparecido, sem deixar vestígio de um corpo, no norte da África, durante a batalha de Alcácer-Quibir em 1578, quando foi combater islâmicos do Marrocos.
   Passou-se então a acreditar numa volta sua pondo término à crise dinástica que pôs os reis espanhóis no trono português. Afirmava-se até que ele, chamado já tanto de “Capitão de Deus” como de “O Rei Encoberto”, surgiria numa manhã de muito nevoeiro e que restabeleceria toda a glória perdida de Portugal, esperança que naturalmente nunca aconteceu.
   Também no Islã, segundo o Alcorão (43,61) Jesus retornará aparecendo em Damasco , como redentor do Islamismo. Unir-se–ia ao Madi iluminado em sua guerra contra um Anticristo inimigo do Islã. Tornar-se-ia um governante islâmico de grande justiça.
   Surpreendentemente Alice Bailey, uma renomada esotérica ocultista, fala em seu livro “Magia Branca” que a pessoa de Jesus voltaria em uma nova encarnação entre os Drusos do Líbano. Estes, Ismaelitas (Filhos de Ismael), Xiitas do Islã. Grupo muito místico que acredita em reencarnações e são também pacíficos, não se envolvendo em lutas. Enfim, Jesus retornaria como um islâmico não fundamentalista, amante da paz, para uma esperada renovação pacífica do Islamismo.
   Já no Hinduísmo, Paramahansa Yogananda em sua obra “Autobiografia de um Yogue” interpreta a Parúsia misticamente. Seria uma grande mudança interior que aconteceria brevemente em cada indivíduo, introduzindo no mundo uma era de fraternidade.
   Entre as duas facções rivais dos Xiitas islâmicos estão os “Filhos de Ismael” e os “Filhos de Musa”. Entre os últimos, estava Musa como seu mais amado Imã. Os Filhos de Musa creem que em sua descendência estarão 12 Imãs (Iluminados). O próprio Musa desapareceu de modo misterioso. Saiu a cavalo e este voltou só e Musa jamais foi visto. Então, seus “filhos” acreditam que um dia ele voltará como o duodécimo Imã, como um messias que espalhará o Islã em todo o mundo, o que é o ideal último de todo Islâmico.
   O Budismo Tibetano antecipou-se a todos os Retornos idealizando uma outra encarnação do seu grande Avatar, Bodhisatwa Avolokitsvara: Fê-lo renascer na figura impar e mais adorada do budismo chinês: Mãe Kuan Yin.
Francisco Pizarro,
invasor do reino Inca.
   No Peru, a chegada de Francisco Pizarro de pele clara, apontando no mar, trazendo seus navios cheios de cavalos, animais desconhecidos do nativo peruano, coincidiu  com a espera inca do deus Viracocha que voltaria com uma aparência diáfana para   resolver a crise civil alastrada pelo país pela desavença entre os irmãos Atahualpa e Huasca. Inicialmente, até que os incaicos se confrontassem com a crueldade e traições dos invasores espanhóis, os cabelos louros e a pele clara de Pizarro facilitou sua chegada e muito nativos  até fizeram sacrifícios em louvor ao deus que esperavam e que por fim viam chegar pelo mar .
   Ainda no Peru, Tupac Amarú foi o guerreiro mais amado do glorioso passado incaico.
   Segundo uma crença peruana, divulgada por guias turísticos, existiria no país ainda hoje uma aldeia montanhosa habitada por tecelãs tão tradicionais que se intitulam ainda de “adoradores do sol”. Em tal aldeia, se encontraria uma gigantesca tela bordada que tem como tema Tupac Amarú, ultimo resistente Inca. Trata-se de um trabalho em lã e penas do pássaro Colibri Dourado. Este, sendo um pássaro raríssimo de ser encontrado nas matas, dificulta terminar-se a tela que pretende atingir até os ombros um busto deste líder. Creem que ao terminarem a tela, Tupac Amarú, que fora decapitado pelos invasores em Cusco, renascerá. Sob a direção do reaparecimento deste guerreiro, a região peruana atingirá novamente o seu perdido e usurpado esplendor.

Em Cusco, comemoram o heroísmo de Tupac Amarú. 

   Estes mitos que expressam o desejo de perpetuarmos a vida de figuras importantes para as mudanças sociais da humanidade, na realidade expressam apenas desejos irrealizáveis. Porém, sem dívida , ao subestimarmos o valor dos mitos, certamente tocaríamos nas esperanças que vivem e alimentam o imaginário e o coração de muitos homens.

domingo, 4 de agosto de 2019

A Metamorfose das Espécies nos Três Reinos


  As visões espiritualistas de linhas orientais nos apresentam uma evolução que passa pelos reinos mineral, vegetal e animal antes de atingirem a forma humana. Assim, também pensam linhas como os maçons, os rosacrucianos, os martinistas e outros.
  Tal crença é milenar e podemos encontra-la na Antiguidade de vários povos. Em inúmeros museus, um imaginário de seres que atestam este pensar, enriquecem suas coleções não deixando que o percamos. Também tapeceiros, ceramistas, pintores contribuem para nos expor metamorfoses. Fabulosos seres em transições formais são inúmeros e aqui tentarei apresentar alguns.

Centauro atirando a sua flecha.
O CENTAURO - Metade homem, metade cavalo, é encontrado nos mitos gregos. Conta-nos Homero que tais seres híbridos usavam um discernimento e um raciocínio já humano, mas entravam numa violência agressiva quando estavam embriagados. A bebida afetava-lhes a consciência e sua parte animalesca, seus instintos prevaleciam. O mito grego nos fala num centauro, o Quiron, cuja evolução já estava tão próxima à humana que ele tornou-se o companheiro constante do herói Aquiles, chegando a lhe ser um verdadeiro mestre.
 Tal mito nos diz que ao morrer Quiron, Zeus, o senhor do Olimpo, o transformou, por seus esforços, na linda constelação de Centauro, que inspira o homem para o bem quando este a encara. No zodíaco, o centauro é o signo de sagitário, mantendo sua forma híbrida e carregando uma flecha direcionada ao céu. Segundo os estudos astrológicos, quem nasce sob a sua influência, além da praticidade terrena, possui também uma busca por transcendência, uma ânsia de ascender sempre.

O pássaro/alma "Bo" sobre um morto.
O "BA" EGÍPCIO - Deste pássaro minúsculo com face humana, encontraremos sua figura nas ruínas dos templos egípcios, em pinturas murais e junto às cenas de embalsamentos. Para um egípcio antigo o pássaro BA representava a alma do homem que na hora da morte fazia uma metamorfose neste pássaro, porque, segundo suas crenças, ao morrermos, atingíamos uma libertação. Nos libertaríamos de preconceitos e apegos que nos prendem. Ao término de uma vida atingiríamos enfim, a liberdade de um ser alado.

Tritão assoprando sua concha.
TRITÃO – Um fabuloso híbrido, metade homem, metade peixe. No mito grego era filho de Netuno, o deus do mar. Quando colocamos um caramujo nos ouvidos e ouvimos um ruído, um zumbido contatamos uma marca deixada nele por Tritão. Segundo o mito, Tritão soprava dentro dos caramujos, emitindo um som que alertava os marinheiros de obstáculos, de perigosos rochedos que estivessem próximos a eles. Principalmente isto acontecia no mar Egeu e no Mediterrâneo. Entre as criaturas das fábulas marinhas Tritão é o protetor por excelência.

Sereia atraindo navegantes.
AS SEREIAS - Também as sereias são seres imaginários que povoam os mares. Mulheres peixes da cintura abaixo. Formam uma dualidade de frigidez e fascinação. Sentem desejos de atrair homens para um acasalamento. Porém, não conseguem tal intento, pois não contam com órgãos genitais femininos e são da cintura abaixo frigidas como o são os peixes. Contudo, são imensamente sedutoras. Seu recurso de atração é o canto. Cantam muito sobre os rochedos para atrair homens.
Lembremos que na epopeia homérica da Odisseia, Ulisses precisou amarrar-se ao mastro de seu barco para fugir a atração enganosa do canto das sereias. Estas, ele o sabia bem, não lhe dariam prazeres sensuais e apenas o afundariam no oceano.
  O folclore brasileiro conta também com uma sereia, Iara, que vive nos rios amazônicos. É perversa. Atrai os incautos homens e depois os afoga no rio. Diz o mito que o homem que escuta Iara enlouquece. Seus familiares costumam então afasta-los das cachoeiras, riachos e fontes, pois o homem obcecado por Iara a procura em todos estes lugares.
O único odor capaz de afastar Iara é o do alho. Então, ainda hoje, o homem crédulo da Amazônia que necessita anoitecer na pesca, esfrega alho no corpo para evitar sua sedução.
 O culto Afro nos legou a crença em Iemanjá, porém não existe nela a perversidade de Iara. Também metade mulher, metade peixe, ela, vaidosa, só requer de seus adoradores adereços, colônias cheirosas, espelhos e pentes que são atirados então no mar em seu dia.
No sincretismo com Nossa Senhora das Candeias ela é a bondosa Mãe D’água possuidora de grande instinto materno que protege os pescadores dos perigos do mar. Estes, gratos a reverenciam com a Saudação afro: “Ado Iya”.

A mítica imagem do lobisomen.
O LOBISOMEM - Numa inversão ao processo evolutivo do animal para o homem, temos o mito do lobisomem. Nele, o homem se transforma em lobo. O grego antigo acreditava tanto nesta metamorfose que passou a estudar uma doença mental que intitulou de Licantropia. Esta levava o homem à profunda depressão e isolamento até sua transformação em um lobo.
  No norte e nordeste do nosso país, esta crença é ainda mantida. Nela, é dito que o sétimo filho de um mesmo sexo nascido de um casal, tem a tendência de tornar-se um lobisomem. Ainda mais: diz ela que a lua cheia auxilia este tipo de metamorfose.

Bacanal com a presença de um sátiro.
SÁTIROS - Metade homem, metade bode. Tais híbridos influenciam os comportamentos sexuais animalescos nos seres humanos. Faziam-se presentes nos bacanais gregos e romanos do deus Baco. Provocavam nas mulheres do cortejo de Baco, as bacantes, instintos sensuais muito primitivos. Apareciam esses híbridos também nos Sabats medievais com a conotação de seduzir mulheres. Nos processos contra bruxarias, inúmeras mulheres, acusadas de manterem relações com estes seres caprinos, foram queimadas em fogueiras.

A ORIGEM DO POVO HELENÍSTICO - O melhor exemplo da metamorfose de um ser vindo de um minério para o ser humano, nós encontramos na formação deste povo grego. Conta-se que o único casal que sobreviveu ao dilúvio grego, Decalião e Pirra, sozinhos e desesperados, pediram à deusa Diana que lhes desse uma nova humanidade para ajuda-los. A deusa então lhes disse que pegassem os ossos de sua mãe e tirassem por trás de seus ombros. Porem, a única mãe que agora possuíam era a Mãe Terra. Compreenderam então que seus ossos eram as suas pedras. Passaram a pega-las e as lançavam. Então, a umidade das águas do dilúvio criou sobre elas musgos que logo se tornavam em carne. Também, no céu apareceu o deus solar Apolo, que com os seus raios iluminadores deram aqueles novos seres, em transformação, a consciência iluminada dos homens. Assim foi como Decalião e Pirra viram surgir diante deles a civilização muito sábia dos Helenistas.