terça-feira, 12 de maio de 2015

Tipos de Telepatia


A Telepatia (forma de intercâmbio entre os seres) não se dá apenas com o nosso corpo mental. Temos também:
    A Telepatia Instintiva- esta se dá através de nosso plexo solar. Segundo o pensamento esotérico, era esta a telepatia que acontecia nas primeiras raças humanas, quando a mente do homem não estava ainda desenvolvida. Formigas, pássaros e outros seres do reino animal assim também se comunicam, seguindo um instinto de sobrevivência. Acontece também esta telepatia entre mães e filhos recém-nascidos, impossibilitados ainda de comunicação verbal.


Comunicação Telepática.

      A Telepatia Sensitiva- Acontece pela região do diafragma. Recebe e comunica ondas emocionais. È muito responsável por surgimentos de hérnias, e úlceras do diafragma. O intercâmbio entre pessoas que sofrem choques emocionais, com outras emocionalmente fortes, torna-se importante. Porém, só na telepatia mental acontece o intercâmbio com o chacra superior do entrecílios.
      Geralmente, os mestres espiritualistas, comunicam-se com seus discípulos através da mente concreta, lhes dando ideias de coisas objetivas a serem realizadas em seu habitat... Seus discípulos iniciantes têm pouco desenvolvimento em sua mente abstrata. Quando tiverem esta mente desenvolvida, todos irão usufruir da Telepatia Intuitiva.
    Telepatia Intuitiva- Acontece através do chacra pituitário, com a ajuda da qual poderemos emitir conceitos eternos que ultrapassam tempo e espaço, e artes igualmente duradouras.
    A Telepatia, toda ela é, enfim, o grande e amoroso recurso divino para nos levar à perfeita Unicidade entre todos os seres. 

Luso Açorianos em Santa Catarina

    Ter morado em Santa Catarina foi reportar-me à infância ,quando ainda no Rio de janeiro, tradições e costumes me eram transmitidos por meu avô português.
    Foi lembrar-me de jogos (petecas, amarelinha, esconde/esconde) canções e versos tão simples e puros que na época tanto eu como as crianças portuguesas cantávamos a viva voz:
   
Menina minha prima                              Lá em cima daquele morro
Entra dentro desta roda                         Passa boi, passa boiada
Diga um verso bem bonito                    Também passa moreninha   
Diga adeus e vai embora                        De cabelo cacheado
                  
    Já adolescente tive a oportunidade de convívio com a amorável gente catarinense.
    Conheci São Francisco do Sul, a mais antiga de suas povoações que nos lembra a abordagem no séc. XVI de nautas espanhóis que, salvos de uma tormenta no mar, viram depois esta acalmar-se e durante os 2 anos que ali estiveram ergueram uma capela de agradecimento à Nossa Senhora das Graças.Observa-se que apesar das divergências entre Portugal e Espanha acontecendo naquela época em nosso Sul,os Lusos ali chegados, conservaram o nome de Nossa Senhora das Graças para a edificação que hoje é ainda a Matriz da cidade.

Litoral catarinense, rico em enseadas.

    Ali, está a lembrança daqueles portugueses que no séc. XVII migraram de são Vicente, na região paulista, para o Sul, servindo a coroa de Portugal, chegando seduzidos principalmente pelas promessas de ganhos e sesmarias
    Povoação com suas vielas estreitas, ruas de paralelepípedos , coreto na praça e naturalmente sua fileira de casas coloridas onde se reproduz os beirados que em Portugal  revelava  quem tinha ou não tinha “eira e beira”. Suas janelas tão baixas que ensejavam  alguém debruçar-se em seus peitoris para namoros  ou amenas conversas entre vizinhos.
    Hoje, vemos ali ainda bem forte a tradição do “Pão Por Deus”, uma das mais belas trazidas pelos imigrantes que chegaram da ilha de São Miguel.
 Esta troca de mensagens entre amigos, versos românticos entre namorados, também pedidos colocados em papeis enfeitados, expostos publicamente, nos mostra  a alma simples, singela, do povo português:

                     “Neste Pão Por Deus, meu  amado
                       De tanto e tanto fervor
                        Te mando aqui escravizado
                        Meu coração  com amor.”

Pão-por-Deus tradição açoriana preservada.


    Hoje ainda encontrei vários  “Pão Por Deus” nas zonas litorâneas e até no centro de Florianópolis, Desterro. Era assim que Franklin Cascaes desgostoso com os episódios dolorosos acontecidos na capital catarinense, cujo protagonista foi Floriano Peixoto, desejava que sempre se chamasse esta cidade: Desterro, jamais Florianópolis.
    Foi mesmo com as regiões litorâneas ,por onde se espalharam os Açorianos,hoje o maior contingente étnico da Ilha, que mais tive contato, entrevistas e convívio.
    Apraz-me assistir a Festa do Divino, acontecendo após a quaresma , no Pântano do Sul,uma das últimas vilas de pescadores do Sul da Ilha.
    Não é raro ver-se dias antes do festejo, um grupo de três ou quatro fieis, levando pelas ruas fervorosamente a bandeira do Divino (Vermelha, com uma pomba branca ao centro) arrecadando donativos para os gastos necessários a ele.
    Com sua cantoria, violas  e tambores, lá vão eles parando em moradias, levando seus estandartes com fitas coloridas penduradas,cada uma delas um agradecimento por alguma benção alcançada.
    Porém, será a coroação do menino imperador investido de uma faixa vermelha no peito, meias compridas alvas, que carrega um cetro esperando ser coroado, que fará a beleza da festa, terá a grande importância de não  se  deixar perder uma tradição portuguesa, nascida na longínqua Idade Média, especialmente no arquipélago dos Açores,quando pequenas  edificações eram erguidas apenas para guardarem os apetrechos das comemorações em honra ao Espírito Santo.
    Imperdível  é  também assistir o arrastão da Tainha  que atrai turistas   à esta praia do Pântano do Sul, reduto de descendentes de Açorianos.
   Pelos meses de Abril e Julho nos morros que cercam e embelezam esta vila, lá se postam vigias que irão distinguir nas ondas do mar a chegada de cardumes que se aproximam das encostas. Sinais são dados aos pescadores já à espera na praia, que logo se aprontam a por seus barcos ao mar para os cercarem.
   Vi dezenas de moradores e até turistas ajudando no arrasto das redes. O espetáculo é realmente pitoresco.
    As riquezas do mar fazem ainda hoje a sobrevivência dos ilhéus dos Açores que se estabeleceram principalmente nos litorais da Ilha catarinense. Também o cultivo de ostras que nos proporciona degustar nos restaurantes de Ribeirão da Ilha as mais saborosas especiarias deste molusco, faz não só a sobrevivência mas também a riqueza dos produtores que  ali implantaram um dos maiores cultivos de ostras do país.
    Não só a pesca abundante garantiu ao que imigrou a sua prosperidade. Também a “Farinhada”, já conhecida pelos índios Carijós, que aqui encontraram, foi seu grande recurso. Muito logo, centenas de engenhos de farinha de mandioca espalharam-se pela Ilha.O solo propício ao plantio de bananeiras, incluiu em suas refeições caseiras seus famosos bolinhos de banana, iguaria sempre presente.
    As antigas famílias açorianas trouxeram também de sua terra a arte belíssima da renda de bilro. Atualmente ainda segue sendo uma das grandes fontes de lucrativo comércio.

Rendeira manejando o bilro.

    Nas margens da Lagoa da Conceição,hoje chamada até  de “Avenida das Rendeiras” em Florianópolis,as rendeiras com a beleza de suas rendas,a destreza de suas mãos manejando o bilro, surpreende e encanta o turista.
    Porém, se a intenção é continuar pesquisando os costumes dos primeiros açorianos,podemos achar seus rastros também  na praia de Armação (sul da Ilha). Lá, como em todos os locais que  recebiam o nome de “Armação”, esses imigrantes iluminavam as suas noites com óleo de baleia. Ali, este cetáceo era trabalhado aproveitando-se dele suas barbatanas e também sua carne.
    Não só Cristianismo mas também  Magia foi trazida de Portugal para cá.
    É  ainda Franklin Cascaes em seu belíssimo livro “ O Fantástico na Ilha de Santa Catarina” quem nos relata  esta faceta incluída  até hoje entre o povo catarinense.
   Tive ocasião de entrevistar gente relacionada à “ bruxas” atuais, que naturalmente já não andam –segundo os seus “Causos”- fazendo diabruras como darem nó  nos rabos e crinas de cavalos e outras tantas. Porém, que ainda são procuradas como advinhas e têm suas  previsões e trabalhos  de auxílio contra mal olhado, maus  agouros etc, muito respeitados.
    Para nos jogarmos profundamente nos vestígios lusos que permeiam toda esta linda Ilha,precisamos aguçar os ouvidos à entonação de voz, à fala  daqueles  que carinhosamente são chamados “Manezinhos da Ilha” que não assimilaram influências dos que chegaram depois, aqueles que ainda guardam muito de um  linguajar antigo da terra natal de seus bisavós e tetravós.  Quantas vezes ouvi deles o seu :“Se queres, queres. Se não queres diz” , o seu “ Pró mode de...” o seu   “trés antonte”.
    Santa Catarina, Continente e Ilha, realmente joga todos os meus sentidos à doçura de minhas próprias raízes e ascendências portuguesas. Porém, melhor que   eu, uma das estrofes do “Rancho de Amor à Ilha” , de Claudio Alvin Barbosa, nos fala de todo o encanto desta região catarinense .

                                       “ Um pedacinho de terra perdido no mar!
                                          Num pedacinho de terra,beleza sem par!
                                          Jamais a natureza reuniu tanta beleza!
                                          Jamais algum poeta teve tanto prá cantar!”

                                                                            

segunda-feira, 9 de fevereiro de 2015

Arquétipos do Masculino


  
Quem são os deuses e deusas? Se os imaginarmos como facetas, matrizes, arquétipos das múltiplas faces do Uno Absoluto, os veremos manifestando suas características em cada um de nós. Inseridos que estamos no espaço terrestre, tais como peixes respirando num grande oceano que nos abastece com vida, não nos damos conta deste intercâmbio com tais matrizes. Porém, ali estão elas, reveladas em deuses masculinos e femininos aparecidos nos antigos mitos gregos. Em tais mitos encontramos inesquecíveis arquétipos em seus semideuses, heróis e personalidades que observamos hoje repetidos em homens com que contatamos.
   Aqui abordarei apenas alguns tipos masculinos me fixando nas figuras de: Príamo, Aquiles, Vulcano, Ulisses e Orfeu.
   Caberá depois ao leitor, se o desejar, identifica-los com alguém com quem convive ou já conviveu.

PRÌAMO - Em Príamo, rei de Troia, vamos encontrar o arquétipo daquele homem tão apaixonado pelos filhos que seu amor por eles superará qualquer outro valor ou sentimento, qualquer outro tipo de entusiasmo. Superará o amor de amante ou seja qual outro for.

   Neste mito o instinto paterno de Príamo é explícito:

   Acuado como rei responsável pela estabilidade de uma cidade sob sua tutela, Troia, precisa ser obediente ao oráculo que afirmava que seu recém-nascido filho Páris a destruiria. Pressionado a evitar tal tragédia, de coração dilacerado, Príamo o desterrou para o longínquo monte Ida. Porém, quando o destino a que, segundo os gregos mitológicos, mortal algum fugia, armou a circunstância de trazer Páris, já rapaz, irreconhecível, à Troia, o amor paternal de Príamo surgirá com toda intensidade.
   Ora, Cassandra, sua filha , era investida de dons intuitivos e proféticos e, acertadamente intuiu ser aquele rapaz o seu irmão exilado e previu que ele causaria o fim do reino troiano.
   Contudo, Príamo fez ouvidos surdos às advertências de Cassandra (que desejava ignorar Páris para que voltasse a seu desterro), abriu os braços ao filho e investiu-o como um de seus herdeiros.
   Esquecendo previsões , o amor do velho Príamo pelo filho que julgava perdido, a alegria de novamente tê-lo, o tomou completamente, sobrejulgou tudo, levando um dia realmente a cidade de Troia a uma irreversível destruição.
   Na morte de Heitor, seu outro filho, com uma impressionante força, a sensibilidade de seu extremado amor paterno virá também à tona.
 
Príamo reclama o corpo de seu filho ao grande Aquiles.
 
 
   A guerra de Troia já há muito se desenrolava. Esta, iria levar Príamo à sua maior e mais cruel dor. Assistir das alturas das muralhas troianas, o corpo de Heitor, seu filho bem amado, o caráter mais correto e impoluto do seu reino, ser arrastado pelas areias da praia, amarrado a uma biga, conduzida por Aquiles, seu matador vitorioso. O desejo de Príamo foi logo dar uma dignidade ao corpo de Heitor que fora profanado. Neste intento, o já muito idoso e alquebrado rei tirou forças e valentia suficientes para, numa atitude temerária, sair da segurança de sua fortaleza murada e ir à praia procurar a tenda do mais feroz guerreiro grego, Aquiles, para reclamar-lhe o corpo de seu filho. Fez-se respeitar logo que encontrou o guerreiro, pois este lhe disse entre orgulhoso e surpreso, palavras semelhantes a estas: “Algum deus ou algum sentimento muito forte deverá tê-lo trazido até aqui, pois poucos homens têm a coragem de chegar frente a um inimigo tão poderoso como o grande Aquiles”.
   As revelações paternais de Príamo, sua dor desmedida exposta sem pejo, é uma das passagens mais belas da Ilíada e leva comoção aos seus leitores mais sensíveis.
   Surpreendentemente, foram tocar direto na grande duplicidade do caráter de Aquiles (que veremos quando tratarmos de sua personalidade). Este saiu da tenda por instantes deixando Príamo a sós para ir ocultar emoções e lágrimas, retornando depois, para devolver-lhe o corpo do filho e conceder-lhe sete dias de trégua na guerra, para que os habitantes de Troia pudessem dar honras fúnebres a seu mais ilustre e digno herói: Heitor.

AQUILES

    Quando conhecemos um homem extremamente vigoroso, aparentando invencível força, pronto sempre a responder qualquer simples desagravo com violência, a responder pequenas contrariedades com reações intempestivas, porém, sensível o bastante para não conter o pranto diante de situações de intensas alegrias e tristezas, estaremos fazendo face ao arquétipo de Aquiles o grande guerreiro mitológico.
    A deusa Tétis que procriara Aquiles com um mortal era inconformada com a vulnerabilidade humana que seu bebê herdaria. Quer por tudo lhe dar a imortalidade. Vai então banhá-lo, para imunizá-lo no sagrado rio Estige. Na verdade, conseguiu em parte seu intento. Porém, esqueceu-se que ao segurar seu bebê pelos calcanhares , deixou esta sua região, não molhada pelas águas, vulnerável como a de qualquer mortal.
   Assim tornou-se Aquiles: invencível em qualquer embate, forte, mas com uma não percebida fragilidade.
 No texto passado, em seu diálogo com Príamo, vendo o rei ancião desnudar seu amor por Heitor, ele, que havia deixado há anos um filho em Esparta para vir guerrear em Troia, ao lembrar o próprio filho, revela-nos tal fragilidade emocional.
 
   Aquiles e Pátroclo

   Aquiles marca também suas amizades com seu caráter impetuoso.
   No ideal grego a amizade era muito valorizada. Estendia-se principalmente ao relacionamento entre dois homens devido à condição em que viviam as mulheres, devotadas apenas ao lar e aos filhos. A lealdade e o compartilhar recebia grande respeito da sociedade. Quando levada ao extremo, não raro, conduzia amigos à relações homossexuais, com plena aceitação.
    Homero não nos indica claramente se tal condição de relacionamento existiu entre Aquiles e Pátroclo, porém dá a sua amizade grande intensidade.
   Foram, os dois, amigos desde a infância e juntos viveram as aventuras juvenis.
    Conta o mito que durante a guerra de Troia, Aquiles fora humilhado por seu companheiro Agamenon que desejava a mesma escrava por quem Aquiles se apaixonara. Este, num ímpeto, deixa o campo de batalha e espera que Agamenon venha retratar-se.  Para o herói, pior que perder a guerra era ver-se humilhado, perder a honra.
 
Aquiles segura o corpo de Pátroclo.
 
 
    Contudo, Pátroclo, seu amigo, não se conformava pelas perdas provocadas por aquela ausência demorada do grande guerreiro, pela falta de sua vigorosa competência. Suplica-lhe que retorne à luta, mas Aquiles, teimoso, orgulhoso, recusa.
    Pátroclo resolve então intervir. Disfarça-se com a armadura do amigo pretendendo enfrentar os troianos, os intimidando com a temida aparência de Aquiles. Chegou até a conseguir algum recuo das tropas troianas apavoradas a pensarem: É Aquiles, Aquiles que chega!  Porém, o deus Apolo que desejava a vitória de Tróia, arranca-lhe o capacete que lhe encobria a face, revelando a fraude.
    Heitor, filho de Príamo, percebendo o embuste, golpeia Pátroclo que cai ferido mortalmente.
    Longe dali, nos conta o mito, Aquiles ouviu, numa mostra de identidade entre ele e o amigo, o seu grito de morte. Volta à luta e mata Heitor o arrastando pelas areias da praia, como vimos no mito de Príamo. Homenageia o amigo morto, num revanche, com o corpo de seu assassino.
    Diz-nos ainda o mito, que mais tarde pela ocasião da morte de Aquiles, suas cinzas foram misturadas as de Pátroclo, no simbolismo de uma amizade perene.

Aquiles e Penteseleia

Este mito nos expõe a extrema duplicidade de Aquiles: Seu vigor, sua emotividade.
    Penteseléia é a rainha das Amazonas, corajosas mulheres que vieram de longe guerrear a favor do rei Príamo.
    É bela, é selvagem. Enfrentaria em luta, face a face Aquiles. Tombará sob o golpe deste inimigo destruidor, investido de vigoroso ódio.
    Porém o inusitado se daria.  Nada contudo que não se esperasse do caráter dúbio de Aquiles.
    Quando Penteseléia põe nele o seu olhar agonizante, este olhar vai suscitar a sua grande vulnerabilidade . Aquiles viu refletido nele aquela Idêntica coragem, aquela mesma gigantesca força de que era possuído.
     Um amor súbito por Penteseléia, aquela guerreira espelho seu, réplica sua, o irá tomar. Abraça-a apertadamente arrependido, e, entregue à sua dor , cai num convulsivo pranto.
     Homero nos assegura que em todos os cantos da batalha, seu exército ouvia seus choros e lamentos.
     Tersites, um de seus companheiros gregos ousou debochar da extrema ternura mostrada à Penteseléia por Aquiles. Tenta profanar o corpo da Amazona, furando-lhe os olhos. Aquiles, transtornado pela dor, investe para o imprudente guerreiro e o mata a socos.
    Assim, serão todos os homens semelhantes a ele: Vigorosos no ódio, combativos nos conflitos do dia a dia, mas absolutamente frágeis quando um grande amor os possui. 

ULISSES

    Ulisses protagoniza o arquétipo do homem astucioso e persuasivo. Aquele que sempre tentará ludibriar o destino dado pelos deuses, superar seus desígnios com a razão da consciência humana.
    Seus pensamentos ágeis, inventivos, sempre antecederão suas ações.
     Grego, rei da ilha de Ítaca, sua atuação na guerra de Troia onde, segundo o mito, certa vez disfarçado, deixa o campo de batalha, penetra na cidade onde roubará o Paládio (a bela estátua de Atená do templo troiano)  é uma de suas muitas astúcias.
    Sua grande e mais conhecida artimanha é o que decidirá a guerra que prolongava-se já por 10 anos. Que melhor fraude planejou do que, após fazer construir o famoso cavalo de madeira, mandar esconder as naus gregas por trás dos rochedos, simulando uma partida, uma desistência de seu exército?
    Jubilosos pelo suposto fim do conflito, os troianos que saem para à praia, lá encontrarão um soldado choroso, deixado ali propositalmente por Ulisses, instruído a dizer que fora abandonado por seus companheiros e a explicar aos curiosos troianos o que era aquele cavalo: Uma oferenda à deusa Atená. E, sua gigantesca estatura visava não deixar que os troianos o roubassem pois segundo dissera um oráculo – afirmava - caso o levassem para dentro de suas muralhas, ganhariam a guerra.
    Alegres, os troianos, na intenção de garantirem aquela vitória, enganados pelas mentiras de Ulisses, arrebentaram os seus portões e muradas levando assim para dentro da fortaleza, uma grande parte da tropa inimiga, escondida no espaçoso ventre do cavalo, propiciando eles mesmo ingenuamente o surpreendente e doloroso fim de Troia.
    Na Odisséia, (a volta à sua amada ilha de Ítaca) exibe toda a sua inteligência ardilosa, toda a lucidez para vencer obstáculos.
    Netuno que havia presenteado a muralha protetora da cidade de Troia, quer se vingar daquele audacioso que a venceu e tentará de todas as formas lançar sobre ele suas forças marinhas , dificultar-lhe o percurso de volta com tentações.
     Numa caverna, onde quer abrigar-se, Ulisses encontrará o gigante Polifeno a quem vencerá queimando-lhe o único olho que possuía. Mas, preservará para possíveis companheiros do gigante a sua identidade quando inventa a este que o seu nome é “Ninguém”. Assim, quando indagado : - Quem o queimou? Polifeno dirá simplesmente: Foi Ninguém, foi Ninguém.
       Quando o gigante veio buscar seus carneiros e passou a conta-los um a um, passando a mão sobre seus pelos, como já estava cego, não reparou que Ulisses havia amarrado seus marujos sob o ventre dos animais . Foi assim que saiu uma grande quantidade de homens a salvo de dentro da caverna.
      Segue Ulisses, ludibriando, astuciando, passando até imune pelo canto mavioso das sereias. Estas, mulheres frias da cintura para baixo, pois eram metade peixes, assexuadas inimigas dos homens, que queriam conduzi-los ao fundo do mar com seu canto sedutor.
 
Ulisses amarrado ouve o canto das sereias.
 
 
    Isto será para Ulisses o seu ardil mais fácil: Encherá de cera os ouvidos de seus marinheiros enquanto ele próprio se amarra aos mastros, feliz por ouvi-las e enganá-las.
    Parando em ilhas, amará ninfas e rainhas , mas depois as deixará porque sempre será vencido pela saudade, pela grande paixão que tem por seu lar. Ele é o herói ligado intensamente ao grupo familiar. É o símbolo da busca, do retorno à suas raízes. Retorno que para ele durou outros dez anos.
   É novamente usando disfarces, num embuste para enfrentar pretendentes ao seu trono e à sua esposa, que Ulisses entrará finalmente em seu palácio. Passando por mendigo andrajoso, é debochado por querer participar do torneio de arcos com que Penélope irá conceder sua mão ao vencedor.  Nem ela própria o teria reconhecido não fosse ao vê-lo abrir o arco que só a destreza de Ulisses sempre fora capaz de manejar.
   Será então com o seu caráter ardiloso que Ulisses tomará novamente posse de tudo aquilo que há anos deixara: Sua fiel Penélope; seu arco, guardado em um armário esperando que só a sua habilidade de novo o manejasse; sua ama que o criara e que o reconhece pela cicatriz que tantas vezes vira em seu corpo quando em sua infância o banhava; E o seu cão Argos que dá ensejo a este belo trecho da Odisseia: 

                       “Ao ver Ulisses que há tanto tempo partira

                        a cauda abana jubiloso e alegre

                        Mas não se move porque a velhice o tolhe.

                         Ao vê-lo Ulisses, sem que o vejam os outros,

                         rápido enxuga inoportuna lágrima.

                          E o fado liberta o velho Argos

                          Que vinte anos esperara para rever o dono.”

   O homem com o perfil de Ulisses terá um decidir rápido e vivaz. Terá presteza e facilidade de sair incólume de situações difíceis onde sempre usará de sutileza e astúcia.
   Suas raízes culturais e familiares o prenderão firmemente. Voltará sempre a elas mesmo que haja se desviado por atalhos sedutores. Por elas, empregará se necessário subterfúgios e ardis. 

VULCANO

Vulcano (Hefesto) criado pela nereida Tétis era a criança tão feia que sua mãe, a imortal Hera, julgando que os filhos de todos os deuses imortais deveriam ser belos, envergonhada de apresentá-lo no Olimpo, acabou por atira-la ao mar, do alto para o mundo dos homens, aumentando sua feiura ao aleijá-lo.
    Representa o homem que traz em si um grande talento, uma grande sensibilidade à grandeza, à beleza da arte. O homem artista que só através dela se consolará e superará quaisquer sofrimentos, mágoas e revoltas.
No mito, se torna o legítimo artesão divino, senhor do fogo e da bigorna com os quais forja lindíssimas peças de ouro , joias e armas.
    Forjou a famosa armadura de Aquiles, que provocou, após a morte deste, uma competição, por quem iria herdá-la. Competição que resultou no suicídio do guerreiro Ajax, inconformado por perder tal preciosidade para seu competidor Ulisses.
    Também a reluzente armadura de Atená saiu de suas mãos criativas.
    Toda a sua arte o tornava um ser realmente divino, mas seu lado humano, bem explicitado em suas revoltas, o levava à maldades inesperadas.
 
Vulcano (Hefestos grego), artista e
forjador divino.
 
 
    Mandou de presente para sua mãe Hera que o deixara coxo, um trono feito de ouro, tão belo que deslumbrou todos os imortais. Porém, não assinou o presente. Quando Hera sentou-se nele sentiu-lhe a imponência, a majestade. Contudo, ao tentar levantar-se, estava presa a ele. Todos a rodearam na tentativa de libertá-la, querendo desfazer a magia do feitiço que o autor desconhecido imprimira aquele trono, sem nada conseguirem.
    Logo suas desconfianças se confirmaram: tal maravilhosa obra só podia ter sido esculpida pelo artesão divino, querendo vingar-se da mãe que o rejeitara.
    Ao ser chamado, fez a sua proposta: Iria libertá-la caso lhe fosse dada por esposa a mais bela das deusas do Olimpo: Afrodite.
    Muitos estudantes de mitos surpreendem-se da Mitologia dar a Vulcano, o mais feio dos deuses, à mais bela das deusas.
    Porém, Vulcano é o artista que busca eternamente a beleza è apaixonado por ela . Só o belo, o perfeito como o de Afrodite, o contenta, o completa.
    Quando Afrodite o traiu com Ares, Vulcano, magoado, forjou uma teia de ouro transparente e forte, tão esplêndida como tudo que saia de suas mãos e nele enrolou os dois amantes que dormiam e fez com que os outros deuses olímpicos fossem testemunhar o adultério de sua esposa.
    A união de Afrodite e Ares (Marte) é um desvio jamais aceito por um artista pois une beleza à violência, à guerra. Só o retrata para repudia-lo.
    Apesar da característica instintiva, sensual de Afrodite tê-la feito procurar amantes, sua presença radiosa é sempre também vista junto a Vulcano, embelezando sua oficina repleta de forjas, instrumentos, foles, pedaços de ferro e bronze onde o artesão divino trabalhava num fervor, absolutamente entregue a tirar perfeição daqueles materiais pesados.
    Somente Afrodite, deusa da beleza que era, tem a sensibilidade de perceber aquela que Vulcano traz internamente.
    Vulcano sempre corresponderá ao perfil do eterno artista que olha o mundo sob um prisma profundo; cujos olhos o devassam; que vê nele sutilezas, mistérios, nuances que o comum dos homens não percebe; que deseja reproduzi-lo para eternizá-lo, para que os momentos de emoção e beleza não se percam.

  ORFEU (A busca da alma, do âmago de si mesmo)

    Quando dizemos: “Tal homem vive para as coisas do espírito, Nada há que valorize tanto como a busca de uma origem divina em si”, com certeza estaremos nos referindo a alguém com um arquétipo semelhante ao do lendário Orfeu.
    Orfeu ama e busca sua alma. No mito, ela é Eurídice, a bela ninfa que ele quer por tudo possuir. Porém, sempre um imprevisto ocorrerá impedindo seu propósito. Chegou sim a casar-se com Eurídice, mas no próprio dia das bodas a ninfa foi mordida por uma serpente, e morreu.
 
Orfeu ampara o corpo de Eurídice,
morta pela serpente.
    O desespero o toma. Por quê? Por que quando mais a deseja quando a tem já tão perto a perde? Sente-se alguém incompleto, bipartido. Precisa achar a sua unidade. A busca pela unidade corpo/alma lhe será insana. Terá que buscá-la nas profundezas de si mesmo (no mito, o reino dos mortos de Plutão) Terá que ressuscitá-la.
   Atender o barqueiro Caronte que cobra exorbitantes taxas para conduzir alguém vivo pelo rio Estige são os preços altos que terá que pagar para ir buscá-la. É necessário que atravesse as águas fluviais ora revoltas, ora flutuantes de suas emoções (simbolizadas no rio). Porém enfrentar o furioso cão Cérbero de três cabeças que guarda a porta do Hades, será seu maior desafio.
    Contudo, Orfeu não é alguém abandonado pelos deuses , pois possui talentos: Sua música, sua poesia. Criou a cítara e quando ela acompanha a sua extraordinária voz, ele atrai pássaros, apassiva feras. São os recursos com que conta. Todo homem – pensa ele - conta com recursos próprios para encontrar sua alma, seu mais interno ser e os dele eram fabulosos, por isto não desiste.
    Comove Caronte, quando traduz em versos para ele , a imensa atração que tem por Eurídice.
    E Cérbero, o cão? Este adormece indefeso , ao ouvir a mais bela voz da Trácia entoar ante ele canções tristes de impotência por não possuir ainda Eurídice.
    Penetra, sim, o Hades, Ali o recebem Plutão e Proserpina. Deslumbrados, os deuses assistem Orfeu com a suavidade de sua voz pacificar os transgressores que cumprem penas no Tártaro. Veem com surpresa a harmonia de seu canto diminuir a fome e a sede eterna de Tântalo. Vão por fim conceder-lhe o que deseja: Eurídice.
    Porém, condições existem para que alguém tome posse plena de sua parte divina, de sua alma. Os deuses dão-lhe então imposições: Poderá leva-la, mas ao atravessar o rio, de volta ao mundo dos vivos, a deverá preceder em outro barco. E, importante seria; não olhar para trás.
    Contudo em meio ao percurso Orfeu pensa: E se Plutão o está enganando? Será que Eurídice realmente o segue? Não resiste a ansiedade, a ter uma confirmação. Volta-se para olhar atrás. Eurídice que já apresentava a aparência dos vivos, desfaz-se ante seus olhos, retornando ao Hades. De novo a tem perdida.
    O olhar para trás em mitos mesmo sob fortes emoções é o não voltar-se a erros e falhas do passado e para Orfeu vai lhe revelar qual falha que o havia sempre feito perder a sua alma: a falta de fé, de crença e confiança nas promessas dos deuses.
 
Orfeu pacifica as feras com sua arte.
 
 
    Eurídice morta não é mais contatada. No entanto, continua a ser o complemento dele, sua parte integrante. Ela então também não consegue usufruir a felicidade dos Campos Elíseos (o grande paraíso dos mortos). É necessário para isso que Orfeu se regenere, torne-se um homem de fé inabalável, aproveite seus dons para auxiliar os homens, que faça um grande serviço à favor deles. Por paixão à Eurídice, Orfeu se empenha.
    Cria os “Mistérios”, as “Iniciações”, cria o Orfismo. Neste seu grande movimento onde a meta era espiritualizar a consciência dos homens, estes aprenderão as leis divinas, através da ascese, do estudo , meditação, da arte poética e lírica, e da catarse purificadora.
    A morte violenta de Orfeu nos mostra a incompreensão mostrada para com os homens que desligados das tentações materiais empenham-se apenas em buscar sua unidade, seu complemento alma, sua centelha de imortalidade.
    As Mênades, mulheres sedutoras da Trácia, sentem-se traídas quando Orfeu, homem belo e cheio de talentos, as recusa por amor e fidelidade à sua amada Eurídice. Esquartejam-no, jogando o seu corpo ao rio. Mais iradas ficam, quando aparecerá flutuando no rio a cabeça de Orfeu, sede de seu pensamento, a cantar: “Eurídice!, Eurídice!”
    Só quando foi resgatado o seu corpo esquartejado para ser cultuado num templo, recebendo honras e reconhecimentos; quando ele unificou-se a sua Eurídice pelos Mistérios Iniciáticos que dedicado e cheio de fé propagou, os habitantes da Trácia se livraram das pestes e sofrimentos que continuamente os acometiam.
 

quinta-feira, 8 de janeiro de 2015

Mucker


Trabalho extraído do livro “Jacobina” de Elma Santana
É o episódio mais violento da colonização alemã no Rio Grande Sul, há anos atrás foi levado ao cinema nacional com o título de Jacobina e interpretado por Letícia Spiller.

  A palavra Mucker quer dizer “falso beato” em alemão, e no plural quer dizer encrenqueiros. A principal família envolvida é a de João Jorje Maurer e Jacobina Maurer.  Ficaram os dois e seus seguidores tão estigmatizados, que os sobreviventes do episódio lembram que quando eram crianças suas mães os embalavam os amedrontando dizendo: Dorme senão os Muckers vêm te pegar.
João e Jacobina Maurer.
  Na verdade quem iniciou o movimento foi o carpinteiro João Jorje Maurer quando, casado há apenas dois anos, trocou a profissão de carpinteiro pela de curandeiro, na região de Morro Ferrabraz, até porque os colonos alemães daquela região de Sapiranga não empregavam ninguém para fazer seus móveis e galpões, os faziam eles mesmos, então esta profissão quase não tinha ali utilidade. Como naquela época de 1868 ainda não existiam médicos nas colônias, ele, logo, abrindo sua casa para receituários de chás, emplastos, ervas e unguentos, se tornou conhecido e benquisto recebendo até o título de “doutor maravilhoso’.

   No entanto, quem fez nome nos episódios daqueles chamados pejorativamente de Muckers, tornando-se uma líder foi Jacobina, que de início apenas o auxiliava com as receitas. Jacobina nasceu em Hamburgo Velho. Desde criança sua saúde foi muito fraca, sofria constantes desmaios e ficava por tempo imóvel às vezes balbuciando coisas desconexas. Com 24 anos ainda estava solteira, feito muito raro nas mulheres de sua época. Quando sua mãe, uma fanática religiosa, muito rígida, chamou um médico. Ele diagnosticou sua doença como histeria e recomendou que a casassem imediatamente. Hoje, diz um médico que escreveu sobre os Muckers e estudou os sintomas de Jacobina, que sua doença seria diagnosticada como disritmia cerebral. Parapsicólogos que a estudaram dizem que com ela se passavam fenômenos paranormais. Quando se casou, morou por dois anos em São Leopoldo, e depois se mudou com o marido para a região de Sapiranga.

   Ali, os colonos alemães como ela obedeciam à Igreja Protestante. Na realidade nenhuma decisão era tomada na comunidade sem a aceitação do pastor. Muitos colonos não concordavam com muitas atitudes de sua Igreja. Então, quando Jacobina começou a adicionar às sessões de curas do marido um estudo sobre a Bíblia, no qual as interpretações que fazia dela discordavam das ideias dos pastores da Igreja, muitos colonos começaram a aceitar suas ideias. A Igreja local passa então a não ver com bons olhos tais reuniões. Assim também a igreja católica de Porto Alegre que dominava o Estado com rigorismo religioso como, por exemplo, declarar inválidos os casamentos  entre católicos e protestantes, o que trazia consequências funestas para os colonos, declarou publicamente a aversão a estas reuniões cada vez mais numerosas na casa de Jacobina, acusando-a de estar ameaçando a ordem social. Também o pensador e diretor de um jornal Carlos Von Koseritz, alto grau da maçonaria, com seus artigos passa a perseguir a atividade de Jacobina concorrendo para o seu desfecho trágico.

   Os seus transes e desmaios persistiam e então seus simpatizantes passaram a achar que eram manifestações divinas e adoravam-na como uma líder religiosa. Ela então seguia temerariamente dividindo o cuidado com os seis filhos que teve com o marido nos curtos oito anos de vida em que esteve casada, com a sua atividade bíblica. Quando uma espécie de seita paralela à Igreja local começou a desenvolver-se, iniciou-se uma onda de difamações à sua pessoa encabeçada pelas duas igrejas para desacreditá-la, inclusive chamando-a de prostituta e feiticeira adúltera, pois ela contava sempre a seu lado com a presença do marido de sua irmã, que às vezes interpretava as palavras truncadas que ela dizia quando estava em transe, prescrevendo também as receitas.

   Muitos historiadores o apontam como mentor de todo o movimento criado por Jacobina, inclusive culpado pela grande chacina que resultou deste episódio, uma vez que tanto ela como o marido eram colonos simplórios semianalfabetos e ele cujo nome era Klein, era um homem intelectualizado, coisa rara naquele meio. Alguns escritores acham que ela com os seus transes tidos como espirituais, foi uma ingênua útil, usada para as ambições de poder deste homem. Tais difamações acabaram dividindo a comunidade de Sapiranga, pessoas que adoravam a líder, outros que se juntaram as tropas enviadas por Porto Alegre, quando vieram prender o curandeiro Maurer e depois levar Jacobina em uma carreta escoltada por oito soldados. Uma viagem que durava nove horas onde ela foi exposta ao público, insultada e depois internada na Santa Casa como demente. Porém, como foi constatado depois, que não sofria de demência, ela e o marido foram mandados de volta à Ferrabraz, onde os seus seguidores os receberam carinhosamente. Contudo, a violência  já estava estabelecida entre as duas facções locais. Quando as agressões e insultos à Jacobina e seus filhos  são ali reiniciadas, seus seguidores, revoltados, queimam  a casa de um de seus acusadores com toda a família dentro. Cinco filhos de Jacobina são capturados e separados dela. Klein é preso e também João Jorge, seu marido. Forças militares invadem a localidade procurando Jacobina que, na companhia de seu bebê de apenas meses, se escondera nas matas com dezesseis adeptos. Quando as tropas os encontraram foram todos mortos por tiros ou degolados. Jacobina recebeu um tiro na cabeça e um golpe de facão no rosto. Com este massacre termina em 1874 o episódio dos Muckers.

Reprodução do galpão onde morava Jacobina,
hoje atração turística!

   Pessoas sobreviventes do massacre guardaram hinários e canções usados no movimento religioso. Também foram arquivadas cartas que ela escrevia pela mão do cunhado Klein a seu marido na prisão, onde mostra seu amor por ele e sua preocupação com os filhos e o desejo de onde e nas mãos de quem iriam ficar, quando as tropas viessem matá-la. Tal preocupação vem contrariar – segundo alguns historiadores - a declaração de um padre católico escritor que afirma que, quando a encontraram, o bebê já estava morto porque ela o mandara degolar para que seu choro não os identificassem quando os guardas chegassem. Mas em suas declarações aparecem discrepâncias entre o dia da morte do bebê e a dela.

   O destino do curandeiro após cumprir sua pena é ainda um mistério. Alguns dizem que foi achado um corpo enforcado numa árvore do morro Ferrabraz que teria sido identificado como o seu, já outros dizem que o viram em Uruguaiana muitos anos depois. Durante muitos anos, as filhas de Jacobina, após cumprirem a cadeia de Porto Alegre, (a mais nova após o bebê tinha apenas dois anos) foram perseguidas, apontadas como feiticeiras. Hoje, descendentes seus, vivem ainda em Porto Alegre, Palmeira das Missões e Uruguaiana. Alguns herdaram a mesma paranormalidade ou mediunidade de Jacobina.

   No Morro Ferrabraz, foi colocada uma cruz no local da chacina, mas logo depois foi roubada. A segunda cruz foi colocada em 1996.

   Diz a historiadora Elma Santana: “Como muitos movimentos messiânicos, os Muckers romperam com o poder e isso lhes foi fatal”. Diz ainda: “o mito de Jacobina, uma figura carismática, se apoiou muito no fato de João Jorge ser carpinteiro e fazer curas como Jesus, e importante foi também o fato de Jacobina ter sido martirizada aos 33 anos de idade como o Cristo”. Se fosse outro o panorama social onde ela vivia certamente ela seria apenas uma líder religiosa, carismática, cheia de filantropia.

segunda-feira, 8 de dezembro de 2014

A Filosofia Simbólica dos Números


   Como iniciador da Escola de Crotona, uma das tantas Escolas de Mistérios Iniciáticos da Antiguidade, Pitágoras dedicou-se também à filosofia dos números. Ensinava a seus alunos que os números revelavam a criação do universo manifestado e a trajetória evolutiva do homem, desde sua origem até um futuro retorno a ela. É sobre o seu pensamento não como matemático, mas como filósofo iniciador que elaboro este trabalho.

Uróburo
 
 
   Os números de zero a dez, sozinhos ou diversificados pelo jogo de adições, subtrações, multiplicações ou divisões nos mostrariam as leis da Criação. Desde a Criação todas as coisas e todos os seres fariam enumeráveis evoluções, mudanças de consciências e depois de tudo se aproximariam novamente de sua origem, num retorno então já plenamente consciente e merecido. Os números poriam então diante de nós este quadro de vidas sempre renovadas que, porém, defeririam uma das outras pela multiplicidade de realizações individuais. Tais realizações estariam expressas em todas as possíveis combinações dos números.

   Todos os seres segundo ele teriam, porém isto em comum: Só voltariam à sua origem, a que ele chama de seio divino, para usufruírem o estado de felicidade, de bem aventurança (chamada depois pelos budistas de Nirvana), quando após longa trajetória de agregar suas formas e renovar suas consciências, adquirissem a plenitude da sabedoria.

   Abordo aqui um pouco deste quadro numérico:

O Zero - Representado numericamente por um círculo nos revelaria a vontade de uma de uma força inicial (a que chamamos Deus) de limitar-se a si mesmo. Para tanto, teria, numa ilustração muito simplista, criado em seu espaço ilimitado, um espaço limitado representado no círculo para que, dentro dele, manifestasse universos nos quais aconteceria a manifestação de tudo o que existe, incluindo as nossas entidades individuais que eram chamadas por Pitágoras “Mônadas”.

   O Zero é também representado simbolicamente por uma serpente que morde a própria cauda chamada de Uróburo. Uma alusão à unidades que buscariam a volta a sua origem, voltar em formas cada vez mais apuradas a uma totalidade de consciência.

   O Um - Tem como símbolo um ponto dentro de um círculo limitador. Tal ponto, como um fogo incandescente dentro do círculo limitador teria explodido como uma flor, criando as unidades individuais, tudo, todos os seres, todas as coisas microcósmicas e que conhecemos e que ainda não conhecemos. Tais unidades, embora sempre renovadas em formas e consciências, trariam em si uma essência imutável, imortal, vinda da fonte original que as criou.

Tao, composto da força do Yng e do Yang.

O Dois - Representaria uma energia magnética, um princípio que uniria força e forma (nos mitos gregos de criação seriam Urano e Geia) nomeada pelos antigos pitagóricos de “alma mundi”, origem da atração e repulsão que manteriam os mundos sustentados. Seria também um impulso que une os opostos. Em âmbito humano foi visto como o amor que tenta a harmonização entre as mônadas individuais por diversas que sejam.

   No símbolo chinês do ying e yang, vemos o número dois representado numa dualidade de feminino e masculino. Se notarmos o Ying (Lado negro, feminino) vemos dentro dele um ponto branco. Se notarmos o Yang (lado branco, masculino) veremos nele um ponto negro. Um dentro do outro, numa dependência mútua para se sentirem plenos. O número dois representa para o chinês, enfim, toda e qualquer das polaridades em que vivemos: Calor/frio, tristeza/ alegria etc.

   O Três - É um dos símbolos da Escola Pitagórica por excelência. Seu símbolo é o triângulo. Chamado às vezes de “Tríada Pitagórica” Resultado da união de 1+2 soma a nossa unidade individual monádica, mais a polaridade humana. È a constituição ternária representada em mitos tais como: Osíris, Isis e Hórus (Egito) An, Anli e Anki (Mesopotâmia), Zeus, Podeidon e Hades(Grécia), Brama, Vishnu e Shiva (Ìndia) Corresponderiam a uma trindade de matéria, alma e espírito e no caso da trindade Brama Vishnu e Shiva seria a Criação, a manutenção e a destruição, acontecendo em ciclos contínuos.

   O Quatro - É o quaternário representado por uma pirâmide triangular de 3 faces triangulares laterais e uma base também triangular que perfazem 4 triângulos. “Chamado pelos pitagóricos de” Tétrada Sagrada”, recebia deles este juramento: “Juro por aquele que grava em nossos corações a Tétrada Sagrada, imenso e puro símbolo, origem da natureza e modelo dos deuses”.

   Na natureza a Tétrada é representada na flor de lótus que nasce na terra, passa seu caule pela água, passa outro pedaço pelo ar e desabrocha sua flor ao calor do sol. Representaria então os quatro elementos da natureza; terra, água, ar, e fogo.

   O Cinco -  Tem simbolismo no pentagrama (estrela de cinco pontas). A academia de Pitágoras o usava como símbolo do homem perfeito. Porém, a Arqueologia descobriu  pentagramas em cerâmicas na Mesopotâmia e na Anatólia datados de 3.500 AC. como símbolos rituais.

   O homem perfeito - segundo Pitágoras - tem a cabeça voltada à transcendência do céu acima de si, os pés objetivamente plantados no habitat terrestre e os braços abertos abraçando os seres da humanidade. Perfaz, enfim, o desenho de uma estrela representativa da trajetória do homem até atingir a perfeição. Traçavam-na com uma linha apenas que partia do ponto 1 acima (parte espiritual), descia ao ponto 2 (forma embrionária), trazia à linha ao ponto 3 (nascimento do  emocional), trazia ao ponto 4 (nascimento do mental), descia ao ponto 5 (plano da purificação, chamado de descida ao inferno), subia ao 1 novamente (retorno à origem, ao plano espiritual). Tal desenho representava a trajetória evolutiva do homem.

Pentrama, símbolo do homem perfeito.


   Alquimistas medievais estudaram o cinco simbolizando-o num desenho representativo de um quinto elemento natural ao qual chamavam Quintessência  da matéria. Representaria um quinto elemento agindo por traz da manifestação física e no qual se acumulariam todas as desditas e enfermidades corporais, a razão do corpo degenerar-se. Purificar e dominar a energias desta quintessência seria a própria razão da busca alquímica pela chamada “Pedra Filosofal”. Buscá-la foi o sonho inglório dos alquimistas.

   O Seis -  A representação simbólica deste número é uma estrela de seis  pontas, o Selo de Salomão, símbolo judaico representativo dos três atributos que o homem recebeu em sua essência: Vontade, Sabedoria e Amor simbolizados no triângulo de vértice para cima e que terá que ser manifestado perfeitamente equilibrado a bem de evoluir no mundo físico, representado no triângulo de vértice para baixo.

   O Sete -  São inúmeras as estruturas sétuplas a serem estudadas. O artista se ligará as sete cores básicas, o musico à escala setenária dos sons, o hinduísta  as energias dos sete chacras etc. Porém, a reflexão sobre o símbolo judaico do Menorá (castiçal de 7 velas) nos faz concluir que ele representa, na realidade, uma pausa pós-criação, um repouso. Diz a Bíblia judaica; “No sétimo dia Deus descansou”. O sétimo dia seria então aquele em que a própria Criação para, faz um entreato de repouso. È comemorado no sabá  judaico. Tal entreato criativo se encontrará também no estudo hinduísta da chamada “Noite de Brama “ sendo chamado então de Ponto Laia ou do repouso.

A rida do Dharma e as oito sendas.

O Oito -  Os budistas o representam  na “Roda do Dharma”. Ela mostra as 8 sendas para se chegar ao Nirvana. Chamada também de caminho Óctuplo: Reta crença, reto pensamento, reta fala, reta ação, reta sobrevivência, reto esforço, reta atenção, reta concentração. O oito é também o símbolo da ressurreição da consciência “segundo nascimento”. As antigas pias batismais eram em forma óctupla. Momento em que era oportunizado um novo nascimento para à vida, uma ressurreição .

O Nove -   O que de melhor simboliza o nove é a Cabala judaica em sua Arvore da Vida. Um dia –nos diz a Cabala- o homem poderá afirmar; “Eu sou o poder de três vezes o três” . Teremos então já percorrido  3 triângulos, o equilíbrio físico, o ético e o espiritual.

O Dez -   É novamente Pitágoras que sacraliza um número. Ele é simbolizado no Tetraktys, ou Década Sagrada, tão importante para os pitagóricos como a cruz para os cristãos. A soma de 1+2+3+4 simboliza a origem alcançada. Símbolo da totalidade da manifestação, o retorno. Representado numa parábola cristã, seria a do “Filho Prodigo” que volta a seu lar paterno após uma jornada por busca de plenitude que por fim consegue.

Tetraktys, a década sagrada.

   A um iniciado da ordem pitagórica de Crotona era exigido buscar o conhecimento do Tetraktys, antes de começar os três anos como noviço. Sua oração perante este símbolo assim dizia ;” Abençoai-nos ó número divino que gerastes os deuses e os homens! Ó santo número que encerrais a raiz e a fonte do eterno fluxo criador!”.

   Esta divagação filosófica sobre números, inicia-se no zero, símbolo circular, no momento em que Deus (ou seja que nome alguém queira dar ao impulso criador) limita-se para criar e termina no círculo do zero, que remata o número dez. Por traz do Zero, aquém do início da Criação, esbarra-se no sublime mistério, no incognoscível, no Imanifesto.