sexta-feira, 31 de outubro de 2014

Hallowen


Hallowen é uma palavra inglesa que significa “algo consagrado”. Designa um dia em que com festividades e alegrias amenizamos o terror da morte que a nossa cultura cristã nos legou.

    Dia 31 de outubro nas Américas e Europa homens, mulheres e crianças vestem-se de roupas negras e fazem brincadeiras transvestidos de esqueletos, satirizando estes terrores, emprestando naturalidade à morte.

    Como exemplo de um povo da América que muito festeja este dia, temos o mexicano.

    No Hallowen, seu país inteiro para. Todas as atenções deverão se voltar aos que faleceram, mas sem perder a faceta de alegria, pois é a data em que - segundo creem - os mortos queridos estão entre nós e que devemos lembrar com júbilo tudo o que fizeram de bom.


Abóboras que no Hallowen iluminavam os campos.

    Padarias e confeitarias trabalham incessantemente preparando pães, doces e biscoitos, em formatos que lembram símbolos da morte como foices, caveiras etc, pois irão entrar em concursos para disputar os mais belos e gostosos. Esculturas com esqueletos vestidos com roupas luxuosas são exibidas em vitrines e nichos. Em muitas aldeias, na frente da porta das casas, são colocadas mesas com guloseimas que os falecidos da família mais apreciavam. Querem assim atraí-los a vir compartilhar aquela refeição com seus familiares.  Cemitérios se iluminam com tochas acesas coloridas espantando assim qualquer resquício de tristeza que ali estiver. O sentido é tornar alegre o local onde os mortos descansam.

    Tais comemorações jogam nossa lembrança aos povos da Antiguidade que mais os cultuavam neste dia.

    No Egito, nos templos de Osires acontecia o quarto dia das celebrações de Isia com procissões e oferendas à ressurreição do grande deus. Na antiga Suméria, reverenciava-se Ereshkigal, senhora do mundo subterrâneo que, tal como o Caronte grego, era também a condutora da barcaças que levavam as almas a seu reino dos mortos. Neste dia, Ereshkigal facilitava aos homens que a cultuavam, acharem as riquezas de seu subsolo, como pedras preciosas e metais valiosos. Então, esperançados, seus fieis cavavam a terra para achá-los.

    Na Grécia as celebrações eram naturalmente dedicadas à Perséfone, esposa do deus da morte Hades. Aos participantes eram oferecidas romãs, símbolo do ciclo de ida e volta de Perséfone aos reinos do solo e subsolo. Também Hécate era ali chamada neste dia pois, como guardiã dos caminhos que era, conduzia os mortos a vir ajudar bruxas e feiticeiras que desejavam ver aumentados por eles os conhecimentos que já tinham sobre o mundo do Além.


Mesa de oferenda aos mortos no México.


    Porém, o povo antigo que mais cultuou o 31 de outubro foi, sem dúvida, o Celta com sua noite do Samhain, quando acontecia o mais famoso de seus festivais. Contavam ali com as energias da “Senhora da Noite” a deusa Caillech que sempre rompia males acumulados e lhes prometia o mais importante: O intercâmbio com os seus entes falecidos.

    Esta era a única noite no ano que os Celtas levantavam as sombras que separam o mundo dos vivos do” Pais de Verão”, local que -segundo acreditavam- as almas aguardavam novas encarnações.   Seus caminhos para vir fazer anuais visitas, eram iluminados por tochas, fogueiras e luzes protegidas dentro de abóboras ocas. A visão de um campo clareado por abóboras acesas, certamente – pensavam - evitava que os habitantes do “Pais de Verão” se perdessem.

    Aproveitava-se a oportunidade para que oráculos, tais como Runas, reflexos em bacias com água etc, fossem feitos, na certeza de que as inspirações recebidas dos mortos e a sabedoria da deusa Anciã lhes dariam a resposta certa. Esta era a noite da grande prática oracular na Europa Celta. Hoje a tradição druida ainda a usa, numa preservação deste mito.

    Esta noite marcava o Ano Novo dos Celtas Estes faziam também neste período outonal o último dos festivais da colheita, onde tudo era alegria, para depois vir a semeadura, quando os grãos baixariam às profundezas da terra. Tudo isto coincidindo com as festividades de reencontro com os mortos, de maneira que almas e natureza voltassem depois juntas ao grande período invernal da hibernação.


Menina mexicana no "Dia de Los Muertos", no México.

    O Hallowen nascido no Hemisfério Norte, quando o 31 de Outubro é o Outono que precede o Inverno, estendeu-se ao nosso Hemisfério Sul. Então pela oposição das nossas estações do ano, aqui, não o relacionamos tanto à natureza, como o faziam os povos antigos europeus.  Nossa ligação ao Hallowen refere-se especificamente aos mortos, que por nossa cultura cristã são homenageados nesta época.

    Nossa Igreja quando aproveitou a grande força devocional que esta noite suscitava em povos antigos e colocou o dia do mortos nas proximidades deste seu festival, por certo, com o tempo, se redimiu de erros, conseguindo trazer a nós, seus fieis, a grande compreensão que as sociedades arcaicas tinham do rompimento entre vivos e mortos, a naturalidade com que viam o processo de morrer-se.

    Hoje, quando nossas crianças brincam alegremente na noite do Hallowen com símbolos da morte, certamente estarão vencendo os medos que por uma educação errônea, nós cristãos, lhes estávamos transmitindo.

sábado, 4 de outubro de 2014

Rio da Prata, Beleza e História


    Passou a ser assim chamado desde que no Sec.XVI, tal como nos conta Galeano no seu clássico livro “As Veias Abertas Da América Latina”, o índio Hualpa perdeu-se uma noite na região que hoje é a Bolívia, ao pé de uma montanha de quase 5 mil metros de altura, correndo atrás de uma lhama fugitiva e acendeu um fogo para aquecer-se.


Colônia de Sacramento com o Rio da Prata ao fundo.

    “A fogueira iluminou um filamento branco e brilhante. Era pura prata” Surgia assim a fabulosa Potosí.  Surgia para a ganância dos invasores espanhóis; para encher os cofres de Carlos V; para a exploração, martírio e quase extermínio da população indígena que por ali vivia: Charruas, Guaranis, Tapes e outros.

    Potosí, hoje uma das cidades mais pobres da Bolívia, tornou-se a mais rica de sua época. Em prata, igrejas, palácios, mosteiros foram erguidos. Historiadores falam em ferraduras de cavalos de prata; em procissões, onde para sua passagem se forravam com prata as ruas de Potosí; em festas para os nobres espanhóis ali residentes,quando as refeições eram servidas em porcelanas vindas da China, em cristais de Veneza em que as mulheres se perfumavam com essências trazidas da Arábia pisando em chão forrado de tapetes persas.

    Potosí abriu novas povoações nas margens do Rio da Prata proporcionadas pelo comércio de couro, feito com os fazendeiros e criadores locais.

    Nos finais do Sec XVI, pelo tratado da União Ibérica entre Espanha e Portugal, grupos de portugueses chegaram à Buenos Aires e passaram a fazer concorrência aos comerciantes espanhóis que ali tinham a exclusividade do comércio da prata. Todo ele feito pelo trabalho insano, sacrificante dos indígenas. Um antagonismo entre espanhóis e portugueses teve início.

    No Sec.XVII começa o tráfego de escravos negros vindo de Angola, trazidos por judeus portugueses, os chamados Cristãos Novos ou Marranos, aqueles que chegaram ao Brasil, perseguidos pela Inquisição em Portugal. Tornaram-se eles os senhores absolutos do tráfego negreiro que saindo de São Paulo e Rio de Janeiro vinham abastecer de mais mão de obra a América espanhola (América Central, Potosí e Buenos Aires) vindo aumentar o contingente de nativos indígenas já explorados impiedosamente.

Trecho do Rio da Prata.
    Quando em meados do Sec.XVII o tratado da União Ibérica foi cancelado, os portugueses de Buenos Aires foram expulsos e se espalharam pela banda oriental do rio, para o Uruguai, atual zona de Montevidéo (tal como a chamam os uruguaios). Como defesa de seu novo território, fundaram a Colônia de Sacramento. Então, o tráfego negreiro passa a ter ali a sua sede. Só no início do Sec. XVIII o governador de Sacramento desembarcou nela 1.654 escravos negros. Eram vendidos aos fazendeiros criadores da Banda Oriental.

    Para diminuir a troca comercial portuguesas naquela zona, em 1724 o governador de Buenos Aires funda a cidade de Montevidéo.

    Seu nome (conforme nos contam os guias turísticos) se deve aos nautas que percorrendo o Rio da Prata, avistando terras, lhes faziam marcações para identifica-las depois pelos montes que as cercavam. Então assim temos: Monte VI (seis em romano) d (sua direção) e (este) o (oeste) formando então a palavra Montevidéo.

    Porém, a prosperidade de Colônia de Sacramento crescia, pois além da troca de escravos por couro, também escravos eram vendidos a grupos espanhóis dominantes em Buenos Aires que, em troca, mandava à Sacramento a prata. Para tais grupos havia a vantagem de revender os escravos para o Chile e Peru por preços exorbitantes, muito superiores aos que haviam comprado.

   Em 1760, 50% da população de Sacramento eram escravos negros, na verdade moradores temporários, sempre à espera de serem enviados para os fazendeiros da Banda Oriental ou para comerciantes de prata argentinos. Porém, tal prosperidade não iria manter-se, pois após sete tentativas de invasões por parte de Buenos Aires, esta finalmente colocou aquela colônia portuguesa definitivamente na mão dos espanhóis.

Ruínas das Missões Jesuíticas no Rio Grande do Sul.

    Hoje, as lembranças do seu primeiro período, encontramos em Sacramento nas construções portuguesas resistindo ao tempo; em suas árvores copadas e bancos nas calçadas que atendiam o costume português dos vizinhos encontrarem-se ao entardecer para “jogar conversa fora”; nas tabuletas com escritos singelos, postas nos portais das casas, que naqueles anos do Sec.XVIII indicavam as atividades de seu morador.

     Em meio a tanta luta acontecida em suas margens, a região do Rio da Prata nos trouxe o belíssimo trabalho dos Jesuítas que surgiram para minorar o sofrimento dos índios Guaranis.

    Chegaram às suas margens já em 1609 implantando um sistema de reduções e garantindo a vigia sobre a navegação por toda a Bacia do Prata. Realizaram suas catequeses em povoações que abrangiam o Uruguai e Tape (atual Rio Grande do Sul), quando então fizeram multiplicar-se pela região os rebanhos de gado.

    Quando da fundação de Sacramento lá estavam eles. Porém, estiveram ali pouco tempo, pois logo fugiram aos ataques dos bandeirantes paulistas que chegavam em busca de escravos. Entraram então, com seus rebanhos e seus índios protegidos, nos territórios onde hoje é o Rio Grande do Sul acabando por fundar ali 7 grandes reduções. Na posse definitiva de Sacramento pelos espanhóis todas as terras ocupadas ali pelos Jesuítas ficaram para os espanhóis.

Sepé Tiaraju.
    Os episódios que mais macularam a beleza do Rio da Prata foram sem dúvida os da Guerra Guaranítica.  Em 1750 pelo Tratado dos Limites, Madri exigia a um total de quase 30 mil pessoas, entre indígenas, professores e instrutores Jesuítas, que abandonassem suas casas, seus plantios, suas lindas igrejas, suas oficinas de trabalhos artesanais, olarias e carpintarias. Apesar dos vários adiamentos do abandono, conseguidos pelos Jesuítas que esticou suas saídas por quatro anos, foi depois impossível evitar o início desta guerra, onde toda a mágoa dos índios, liderados pela figura ímpar de Sepé, explodia contra os exércitos espanhóis e milhares de soldados portugueses, naturalmente bem melhor armados e equipados do que a defesa guaranítica.

    Muitos padres foram considerados traidores à Companhia de Jesus e a Madri por se colocarem ao lado dos guaranis atacados e massacrados.  Contudo, em sua maioria os Jesuítas tiveram que optar por renunciar aos Sete Povos, abandonando todo seu trabalho de anos nas reduções, ou a desobediência às ordens enviadas pelo Geral da Companhia em Roma, o que significaria para eles certamente uma expulsão da Igreja.

    O Sec.XIX entrou tumultuado na região, trouxe várias invasões nos países limítrofes do Rio da Prata. Tivemos os ingleses, no auge de seu poderio econômico e colonial, invadindo Buenos Aires, dedicando-se também ao terrível e impiedoso tráfico de escravos, fazendo concorrência com Sacramento, permanecendo ali até que São Martin fez a independência.

Coxilhas (Pampas) gaúchos.
 
     Hoje, ao sairmos do Rio Grande do Sul, em direção a esta região do Prata, deixamos para traz nossas estâncias com seus longínquos horizontes e coxilhas, zonas plenas de solidão, pois seus atuais proprietários são as novas gerações que habitam nossas grandes cidades, chegando nelas apenas em visitas.

    Entramos nas praias deste rio no Uruguai, praias que conservam uma beleza nativa, algumas tais como naturezas intocadas. Chegamos à Montevidéo (esta cidade acolhedora que os gaúchos tanto amam) depois à Sacramento, tão bucólica que nos parece nunca ter sido sacudida por sofrimentos, para então atravessarmos o Prata em barco para atingirmos Buenos Aires, cidade linda com sua arquitetura madrilena majestosa.

    Uma parte pequena, é verdade, teremos visto da Bacia do Prata. Porém, ali já nos vem à lembrança todos aqueles homens que mourejaram em esforços inimagináveis na feitura do couro, que proporcionou a riqueza a seus descendentes; à lembrança os martírios infligidos aos nossos indígenas, considerados homens sem ter o direito a sequer ter uma alma, daqueles também infligidos os negros, peças, como eram chamados, marcados a ferro quente como animais e à lembrança a terrível opção requerida aos Jesuítas de terem fidelidade a sua Igreja ou aos índios que amavam e orientavam.

     A história desta região nos envolve, emociona, nos jogando intensamente em todas as nuances de dedicações, maldades, explorações, amores, e renúncias que os homens que nela viveram manifestaram.